Bem-Vindo ao Estação 018!
terça-feira, 5 de fevereiro de 2013
Falsidade Ideológica
Rever fotos antigas
é não se reconhecer no próprio rosto.
É perceber que o tempo levou muito
- ou quase tudo, ou tudo - e trouxe outras coisas
- talvez não tão boas, talvez não o que era necessário.
Rever fotos antigas
é procurar-se noutro rosto
- que já foi o nosso.
É procurar no sorriso escolar
e na feição alegre da brincadeira
o olhar cansado que hoje toma a alma.
Rever fotos antigas
é saudar o que perdeu-se na estrada.
Rever fotos antigas
é entender que a vida é uma peça - de total improviso.
É perceber - do modo mais cronológico -
que o palco nunca fica vazio - pois,
se eu não atuar como protagonista,
alguém entrará lá e roubará as falas.
É constatar que o elenco fixo deve ser o menor possível
- se puder ser, só eu -, pois os coadjuvantes mudam
e passam e vão-se
- às vezes voltam, mas eu não conto com isso.
Rever fotos antigas
é compreender que o tempo é um bom negociador
- e que em algumas vezes eu saí perdendo.
Rever fotos antigas
é saber que o futuro promete mais perdas - que ganhos.
É lembrar todos os rostos
que o amor já teve e ir imaginando
mais rostos - mais belos? - que ele terá.
Rever fotos antigas
é rir do quanto meus sonhos eram incabíveis.
É resignar-se ao saber que o sorriso da foto
- que talvez fosse sincero - baseava-se
numa infantilidade falida e burra.
Rever fotos antigas
é reconhecer os malefícios da maturidade.
É fazer as contas e concluir que
trocar flores por frutos - sinal de maturação -
é inteligente - e até satisfatório -, mas não nos torna mais
felizes nem propriamente melhores.
Rever fotos antigas
é começar a temer que a morte chegue antes da felicidade
- do amor e do riso - e conferir se realmente nunca fomos felizes.
Rever fotos antigas
é perceber o quanto há soterrado sob o que se vê
- e o quanto há esquecido e o quanto há para esquecer.
É lembrar as vezes em que
se foi à venda da vida só para perguntar:
com quantas lágrimas se compra um sorriso?
Rever fotos antigas
é desconfiar de si próprio.
É questionar:
eu confio nesse menino da foto desbotada?
E nesse rapaz impúbere da foto eu confio?
E nisso que aparece no espelho quando lá me procuro
eu confio?
Eu confio nesse cara que já foi tantos,
que tanto já mudou e que só se chama pelo mesmo nome
por preguiça ou por descuido?
Raul Cézar de Albuquerque
05/02/2013
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