Bem-Vindo ao Estação 018!


Seja bem-vindo ao "Estação 018"! Um blog pouco reticente, mesmo cheio destas reticências que compõem a existência. Que tenta ser poético, literário e revolucionário, mas acaba se rendendo à calmaria de alguns bons versos. Bem-vindo a uma faceta artística do caos... Embarque sem medo e com ânsia: "Estação 018, onde se fala da vida..."

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Soneto de Eternidade


Uma singela e dissonante homenagem ao "poetinha"

Eu prometo ser a tua testemunha
durante toda a minha existência,
sempre absorto em tua excelência.
Ainda que de louco eu tenha a alcunha.

Meu sonho reside no inconcreto:
no longo abraço e no beijo não dado,
no toque e no olhar perpetuados.
É o que me falta para ser completo.

Eu tenho a paciência por qualidade,
esperaria uma vida p'ra ser feliz
e alcançar a plenitude ao teu lado.

Se há um motivo para tudo que fiz,
foi p'ra ser e sentir-me teu amado,
assim: pelas vias da eternidade

Raul Cézar de Albuquerque
30/11/2012

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Respingos de Genialidade #31


"Surpreendia-me que nem eu nem o dia aparentássemos tristeza, e fiquei realmente aborrecido ao descobrir em mim uma sensação de alívio, como se a sua morte me houvesse libertado de alguma forma."

James Joyce, no conto "As irmãs", no livro "Dublinenses".

domingo, 25 de novembro de 2012

Pedaço despedido


No início,
não imaginamos o fim
- nunca.

Geralmente somos tomados
por um senso infantil de infinitude
e o que nos faz feliz
não terá fim e seremos felizes
para sempre. "Enganoso é o coração
[...] quem o conhecerá?"

Parece cruel - e é -
mas a maioria das coisas
tem prazo de validade
(incluindo algumas felicidades).

O engraçado e irônico da existência
é saber que as eternidades são
construídas a cada adiamento da tristeza:
"Por favor, hoje não."


Jogos ilógicos.
Somos meros peões num tabuleiro
em que só jogam os que levam
a eternidade dentro de si.


Sedentos por felicidade,
essa matéria palpável, fixa e controlável,
unimos nossas mãos.
Sedentos por felicidade,
essa matéria amorfa, volátil e inflamável,
soltamos nossas mãos.
Sem saber se a cena irá repetir-se.

Peço que me despeças em paz
e que não me deixes ser
apenas mais um pedaço despedaçado
de um passado feliz.

Raul Cézar de Albuquerque
25/11/2012

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Os outros nomes de Fernando Pessoa


Fernando Pessoa é - nunca é demais relembrar - o maior nome do poesia modernista portuguesa. Destaca-se não só pelo seu lirismo absurdo e pelo jogo literário que construiu, mas por que ninguém absorveu como ele o espírito modernista: O que não tem caráter, mas que precisa ser caracterizado.
Pessoa incorporou a dúvida do início do século: "O academicismo morreu, mas... e agora?" e decidiu reunir em si próprio tudo do passado que poderia levar ao futuro da poesia. Para isso, deixou sua personalidade de lado e deu lugar a personagens - ou personas como fez a ironia da História ao colocar como sobrenome do poeta - "Pessoa" - o nome dado às máscaras do teatro grego.

O poeta tinha uma relação muito mística com a palavra - assim como os grandes Guimarães Rosa e Clarice Lispector. Isso, juntamente com toda a sua genialidade, resultou na construção de mais 70 identidades falsas entre heterônimos, semi-heterônimos e esboços de heterônimos. Tornou-se um criador de escritores.
Seu processo de construção de poetas, porém, destaca-se pelo refinamento, pois cada heterônimo possuía nome, biografia, profissão, ideologia, estilo próprio, "escola" literária marcante e mapa astral específicos.

Nesse infinidade de escritores criados pelo próprio Pessoa, destacam-se três heterônimos pela complexidade e pela perfeição da construção identitária, são eles:

Alberto, Ricardo e Álvaro imaginados pelo pintor Almada Negreiros

1. Alberto Caeiro:
Segundo Pessoa, o mestre de todos os outros heterônimos. Caracteriza-se como um poeta árcade que fugiu para o campo. Ele prega a simplicidade das coisas, despreza as "questões universais" e pouco se dedica à filosofia e à metafísica. Sua principal obra é "O Guardador de Rebanhos".

Sou um guardador de rebanhos.

O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.

(poema IX em "O Guardador de Rebanhos")


2 . Ricardo Reis:
Como Caeiro, ama o campo e a vida bucólica, mas tem o pessimismo causado pela inevitabilidade da morte e pela passagem cruel do tempo. Poeta neoclássico, busca no epicurismo a raiz da felicidade, ele desconfia da felicidade plena e controla tudo com a razão. Escritor de suas "Odes".

Só esta liberdade nos concedem
Os deuses: submetermo-nos
Ao seu domínio por vontade nossa.
Mais vale assim fazermos
Porque só na ilusão da liberdade
A liberdade existe.
(ode de Ricardo Reis)



3 . Álvaro de Campos:
É o mais ligado ao movimento modernista, com forte tendência ao futurismo. Abusa do verso livre (ainda metrifique e rime às vezes), das pontuações exclamativas e das onomatopeias. Engenheiro naval, apresenta uma poesia por vezes desleixada ou rápida demais - característica futurista - e, outras vezes, uma poesia reflexiva.

Temos todos duas vidas:

A verdadeira, que é a que sonhamos na infância,
E que continuamos sonhando, adultos, num substrato de névoa;
A falsa, que é a que vivemos em convivência com outros,
Que é a prática, a útil,
Aquela em que acabam por nos meter num caixão.
("Datilografia" de Álvaro de Campos)

Há ainda o ortônimo Fernando Pessoa (ele mesmo) que escreve "Mensagem", poesia carregada de nacionalismo e saudosismo. Na obra, ele acaba por misturar o épico e o lírico ao (re)contar as histórias de Portugal. Ainda na sua obra lírica, destaca-se "Cancioneiro" onde o poeta explora temas existenciais como amor, solidão, futuro e infância.

Ó mar salgado, quanto do teu sal

São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
("Mar Português" (do livro "Mensagem") de Fernando Pessoa)

Na prosa, há o semi-heterônimo Bernardo Soares (que em muito se assemelha ao próprio Pessoa) que escreveu "Livro do Desassossego", livro com forte carga emocional e cheio de um pessimismo encravado pela modernidade no homem comum. O livro destaca-se pelos aforismos e pela profundidade reflexiva.
"Amar é cansar-se de estar só: é uma covardia portanto, e uma traição a nós próprios. (Importa soberanamente que não amemos)" - Bernardo Soares em "Livro do Desassossego"

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Hoje é o "Dia do Desassossego"


Há 90 anos, nascia José Saramago.
Ele é "somente" o único autor de língua portuguesa que recebeu o Nobel de Literatura (de 1998). Também foi o vencedor do Prêmio Camões (de 1995).

Nascido numa família pobre de camponeses sem terra, no dia 16 de novembro de 1922, José de Souza Saramago acumulou pragmatismos pessimistas ao longo da vida. Viu a instalação do salazarismo em Portugal e perdeu vários empregos pela sua crítica visão política.

Seu primeiro sucesso literário veio com a publicação de "Memorial do Convento" (1982), um romance histórico de cunho satírico que brinca com as crenças e os devaneios humanos. 

O romance "O ano da morte de Ricardo Reis" (1984) vem completar uma lacuna deixada por Fernando Pessoa: como morreu o heterônimo Ricardo Reis? A obra genial descreve todo um ano de desventuras que culminam na morte do protagonista.

Em "Jangada de Pedra" (1986) Saramago usa um impensável cenário: a Península Ibérica separando-se no continente europeu. Crítica não tão velada à ideologia da União Europeia de julgar a Europa como um quadro homogêneo.

Em 1991, José lança "O Evangelho segundo Jesus Cristo". Um dos romances mais polêmicos do século XX, nele o próprio Cristo (re)conta sua história, com direito a cena de relação sexual entre José e Maria para gerar Jesus. Não é difícil imaginar as reações que vieram principalmente da Igreja Católica, mas - por incrível que pareça - as lideranças protestantes não "entraram no barco" e acabaram respeitando a liberdade de expressão do escritor.

Em 1995, publicou seu romance mais celebrado, o "Ensaio sobre a cegueira". Nele, Saramago usa de experimentos estéticos para contar uma história vívida e alegórica sobre uma realidade palpável. Saramago disse sobre o livro:
 "Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. Nele se descreve uma longa tortura. É um livro brutal e violento e é simultaneamente uma das experiências mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante aflição. Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso."
Seguiram-se romances como "As intermitências da morte", "As pequenas memórias" e tantos outros. Seu último romance publicado em vida foi "Caim" - outro romance que atiça as massas católicas pondo Deus como mentor intelectual do crime realizado pelo protagonista.
Após a morte de Saramago, em junho de 2010, é publicado o romance "Claraboia" - que conta a história dos moradores de um prédio em Lisboa.



Hoje, 16 de novembro, é o "Dia do Desassossego" em Portugal. Homenagem do país ao grande escritor. (título bem contestável...) 
Então... FELIZ DIA DO DESASSOSSEGO!

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

"O Haver" (de Vinícius de Moraes)




(Não posso negar minha relação bem pessoal com a poesia de Vinícius, conheci a poesia através do "poetinha") Vinícius de Moraes, poeta e compositor, é um dos grandes nomes da poesia modernista. Sua originalidade reside na retomada do amor clássico. Conhecido extensivamente pelos sonetos, Vinícius também possui uma veia filosófica, que também caracteriza-se como clímax de sua produção poética.

Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura
Essa intimidade perfeita com o silêncio
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo
- Perdoai-os! porque eles não têm culpa de ter nascido...

Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo
Essa mão que tateia antes de ter, esse medo
De ferir tocando, essa forte mão de homem
Cheia de mansidão para com tudo quanto existe.

Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.

Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
Da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade
Do tempo, essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius.

Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do cotidiano; ou essa súbita alegria
Ao ouvir passos na noite que se perdem sem história.

Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera em face da injustiça e o mal-entendido
Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa
Piedade de si mesmo e de sua força inútil.

Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos, essa capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem para comprometer-se sem necessidade.

Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
E ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa
Contemporaneidade com o amanhã dos que não tiveram ontem nem hoje.

Resta essa faculdade incoercível de sonhar
De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la tal como é, e essa visão
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante

E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.

Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória
Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão do seu reino.

Resta esse diálogo cotidiano com a morte, essa curiosidade
Pelo momento a vir, quando, apressada
Ela virá me entreabrir a porta como uma velha amante
Mas recuará em véus ao ver-me junto à bem-amada...

Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto
Esse eterno levantar-se depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha
Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo
Infantil de ter pequenas coragens.

15/04/1962

"O Haver" do Livro "Jardim Noturno - Poemas Inéditos" de Vinícius de Moraes.

domingo, 11 de novembro de 2012

Da Inutilidade da Poesia


Se perguntam a mim “Por que escrever poesia?”, vêm à tona milhares de respostas subjetivas. Subjetivas, pois não há um porquê lógico para produzir arte. A arte em si não tem fim prático. Arte é uma daquelas coisas que se faz por vontade (ou, à la Schopenhauer, Vontade de Poder), algo perto do instinto. Poesia é inútil, sempre foi.
Até aqui, não há novidades.

A questão atual é que, numa lógica absurda e mal construída, o que é inútil é imediatamente desimportante. Ou seja, hoje se algo não tem um fim prático não é importante. Vivemos no tempo da razão utilitária - onde até a racionalidade foi posta à margem do processo produtivo -, fato que explica esse desprezo não tão recente à arte. 

A constatação, porém, é que as pessoas fazem uso da poesia não por ela ser útil - pois ela não é - mas por ela ser importante - o que não depende de sua utilidade. Poesia tem uma finalidade intrínseca e pessoal, o que foge ao atual conceito de "útil". 

Poesia tem duas faces. 
Uma é apresentada ao poeta, essa é a face do desafio. É a que apresenta as palavras como meios para chegar a um fim - que é a própria Poesia. É a que permite libertação em moldes bem marcados - e por vezes burlados pelo escritor.
Outra é a apresentada ao leitor, essa é a face do descobrimento. É a que disponibiliza um campo minado, onde qualquer verso alheio pode desencadear sentimentos pessoais e intransferíveis. É o que dá ao Outro o atestado de insanidade assinado pelo paciente - que piora a cada verso.

Longe da tentativa acadêmica e falida de dar "funções" à poesia, a própria história empenha-se em provar que a poesia apresenta-se no processo cultural como algo importante, mas nunca útil. 
A poesia política de Neruda, Nobel de Literatura de 71, por exemplo, foi importante no cenário latinoamericano durante a Guerra Fria, mas não foi útil. Despertou o desejo de liberdade do povo, mas não convocou multidões às ruas.

Poesia é, portanto, inútil, mas importante. Algo impossível para as mentes adestradas e castradas. Não há fim determinado e comprovável que comporte a poesia. Poesia é vital, mas não é útil. 

Poesia...
... não é rentável.
... não vai salvar-nos do aquecimento global nem da crise financeira.
... não vai trazer-nos a solução dos problemas da sociedade contemporânea.
... não vai evitar guerras nem amenizar seus efeitos.
... não vai encontrar a cura do câncer nem da AIDS.
... não vai acabar com a fome nos países miseráveis.

E talvez até venha a fazer tudo isso, mas, se o fizer, será feito um poeta por vez, um poema por vez, um leitor por vez, uma inquietação por vez. 
Inútil totalmente inútil, mas igualmente indispensável.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

A Poesia (de Pablo Neruda)

Pablo Neruda em Isla Negra, Chile

E foi a essa idade... Chegou a poesia
a procurar-me. Não sei, não sei de onde
saiu, de inverno ou rio.
Não sei como nem quando,
não, não eram vozes, não eram
palavras, nem silêncio,
mas de uma rua me chamava,
dos ramos da noite,
de repente entre outros,
entre fogos violentos
ou regressando só,
ali estava sem rosto
e me tocava.

Eu não sabia o que dizer, minha boca
não sabia
nomear,
meus olhos eram cegos,
e algo golpeava minha alma,
febre ou asas perdidas,
e me fui fazendo só,
decifrando
aquela queimadura,
e escrevi a primeira linha vaga,
vaga, sem corpo, pura
tolice,
pura sabedoria
do que não sabe nada,
e vi logo
o céu 
descascado
e aberto,
planetas,
plantações palpitantes,
a sombra perfurada,
cravada
por flechas, fogo e flores,
a noite esmagadora, o universo.

E eu, mínimo ser,
ébrio do grande vazio
constelado,
a semelhança, a imagem
do mistério,
me senti parte pura
do abismo,
rodei com as estrelas,
meu coração se desatou no vento

Poema "La Poesía" de Pablo Neruda.
Publicado em "Memorial de Isla Negra" em 1964.
Fielmente traduzido por Raul Cézar de Albuquerque.