São novos tempos, meu filho.
O futuro – tão temido e esperado –
tornou-se este pobre presente.
E é naquele relógio velho da sala que percebo
o novo que vem chegando.
Passaram-se os anos – os mais belos,
talvez, mas vivi-os em tristeza: vivi-os?
Das vívidas tardes de sábado
restaram histórias – verídicas
ou melhoradas – e umas dores.
Não há descanso
e o relógio nem faz mais
o tique-taque
- quem nos lembrará do terror do tempo?
O presente, meu filho,
é a fotografia, o instante, o sorriso casual.
O presente é curto. Então, curta,
não só porque é curto, mas porque é
a única coisa que tu tens.
Ajude-me a levantar...
Deixa, deixa, acho que consigo sozinho.
Não. Ajude-me. E pode rir, ingrato!
Obrigado.
E no teu riso
vejo o meu, não o meu, mas
um que já foi meu
- hoje me cabe o riso amarelado
e, logo após, uma tosse interminável.
Quem está vivo tem presente.
Talvez tenha passado, mas geralmente
não é bom tê-lo, nem lembrá-lo.
Ninguém tem futuro.
Nem tu, meu filho, que ainda ris sem tossir,
que não precisas de ajuda para levantar.
Nem tu tens futuro.
O futuro não existe.
O futuro é dos sonhadores mais insanos
e das crianças mais imaturas.
Porque eles não se preocupam com o que têm
- logo não têm nada, logo possuem tudo.
Ah, se voltassem os anos,
eu seria infeliz outras vezes
tentando insanamente ser feliz outra vez.
Não me cabem mais utopias.
Pega-me o copo d’água.
Obrigado.
O que te traz aqui?
Tu nunca me visitas.
Alguém morreu?
Diz logo!
Não me diga que a soninha morreu!
Já estava acabada. Eu a conheci no esplendor
da juventude. Ela tentou ser miss
uma vez, mas o pai não deixou, por causa
do desfile de maiô, pura besteira.
Poderia ter dado certo, mas não deu.
Morreu, simples assim.
Essa história de morte bonita é pra
consolar meninas choronas – e elas também morrem,
cedo ou tarde.
Mais alguma coisa?
Essa eu já esperava.
Eles nunca combinaram muito.
Ele só casou, porque ela ficou grávida
- um erro, um erro e outro erro.
Enfim, milagres acontecem,
mas não com tanta freqüência.
Iriam assinar o divórcio – cedo ou tarde.
Alguma notícia boa?
Não?
Você tem trabalhado como correio da morte
ou coisa do tipo?
Se tiver mais notícias más, pode sair,
que eu nem quero ouvir.
Você vai se casar?
Bem. Eu disse que as notícias más
iriam parar pelo divórcio do cláudio
e você me desobedeceu.
Só não te bato, porque não valeria o esforço.
Em todo caso, quem a carcereira?
Vocês sempre tiveram uma afinidade estranha.
Desde pequenos. Mas, casar agora?
Você tem o quê, vinte e três anos?
Vinte e sete, claro! Perdoe a memória,
ou melhor, a falta dela.
Meu Deus, como o tempo passa!
Ontem você me falava que beijar era nojento
e, agora, vai se casar em três meses!
Eu rio do meu fim!
E sua mãe, como está?
É. Ela superou facilmente a separação.
Eu é que fui um besta em ainda sofrer
por ela nos três anos seguintes –
ou em todos esses vinte e um anos que se seguiram
ao divórcio.
Sua mãe sempre foi mais forte.
Eu me apaixonei por ela no trem. Já contei essa história?
Certo. Desculpe-me. É que eu acho uma linda história
e gosto de contá-la. É um bom começo
para uma longa história – e sem final feliz.
Bem. você é um final feliz.
Tenho de deixar os meus saudosismos de lado.
Você poderia ficar aqui no quarto essa noite?
Você sabe... amanhã é a tal cirurgia
e eu gostaria de alguém aqui comigo.
Pode deixar a bolsa no chão mesmo.
A cadeira de acompanhante não é confortável, eu sei.
Mas obrigado por ficar.
Você vai dormir, acho – cedo ou tarde.
Meu filho,
estava pensando:
se eu sair vivo da sala de cirurgia
e voltar ao normal, queria viajar,
finalmente conhecer o mundo.
Não quero deixar o meu dinheiro
para você. Enfim, vou viajar.
Pensei em levar sua mãe, se ela quiser
e o namorado novo deixar.
Não gosto da ideia de ir sozinho
e ela também sempre quis viajar.
Vai ser ótimo
relembrar os velhos tempos,
já que não posso revivê-los.
Posso?
Filho, você acha que eu e sua mãe...
Você dormiu.
Jovens, jovens, dormindo antes das onze da noite...
mas eu também vou dormir – cedo ou tarde.
Raul Cézar de Albuquerque
08/03/2013
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