viu-a de longe
de uma distância gélida e segura
ela tinha a plenitude nos olhos
tinha o mar na voz
tinha o futuro tatuado nas costas
viu nela o sorriso
que sempre quis para si
e sorriu implicitamente
programou tudo
tinha até script e marcação de cena
seria perfeito:
ele iria até ela
e - despretensiosamente - perguntaria seu nome
iria apresentar-se
sorririam sem motivo aparente
iriam se ver nos fins de semana
num cinema, numa praça,
numa lanchonete, num quarto...
depois eles iriam encontrar-se
mais vezes, mais próximos,
mais dados, menos distâncias,
menos não-me-toques,
mais me-toque...
e num dia seriam uma só carne
- inseparáveis como o manto negro
e as estrelas - numa noite de inverno
- ou verão, tanto faz.
e passariam fins de tardes juntos
e fins de noites
e inícios de manhãs
passariam a vida juntos
e passeariam juntos
pelas ruelas
pelas avenidas
pelas rodovias
pelos sonhos
e cansariam de tanto viver
e - de mãos dadas a ela - ele
sorriria explicitamente
ele iria
desintegraria a vida
e ela ficaria para contar
a história de um sorriso infindo
num rosto pouco bonito
mas puramente humano...
tudo contado no mais
esperançoso futuro do pretérito.
e o trêmulo rapaz deu três passos
deu mais dois passos
arrependeu-se
o que ela iria querer com ele?
por que iria gastar-se com ele?
o que tinha ele para poder tê-la?
eram tantas perguntas
tantos tremores
tantos temores
tantas dores crônicas
tantas tonturas e tontices
tantas incertezas
num mesmo rosto
ele parou no meio do pátio
abaixou-se para amarrar o cadarço
- que não estava desamarrado -
e voltou para a cadeira.
pobre garoto,
nunca iria saber que o nome dela era
felicidade
e ela estava louca para ser dele.
Raul Cézar de Albuquerque
10/03/2013
Meu caro Raul, eu creio que o poema trata de algo experienciado pelo poeta, me permito essa afirmação intrometida porque, como leitor, eu posso interpretar qualquer coisa. haha Mas achei interessante como no final você universalizou o poema. Esse garoto tímido pode ser qualquer um de nós, qualquer um que tenha titubeado diante de uma possibilidade de ser feliz porque junto a ela vinha a possibilidade de não só não ser feliz, como a o novo peso de uma frustração. Mas, como disse Guimarães Rosa, o que a vida quer da gente é coragem. E não posso deixar de dizer que achei sua linguagem um pouco diferente nesse poema. Soou-me como bossa nova ou algo do tipo, mais leve que o seu habitual...
ResponderExcluirÉ, Leandro, esse poema tem um viés bem autobiográfico... e também estou sentindo essa nova leveza na linguagem dos poemas...
ExcluirObrigado pelo comentário!