Pintura de Gustave Caillebote |
Agora, me deixem tranquilo.
Agora, se acostumem sem mim.
Eu vou fechar os olhos.
E só quero cinco coisas,
cinco fontes preferidas.
Uma é o amor sem fim.
O segundo é ver o outono.
Não posso ser sem que as folhas
vão e voltem a terra.
O terceiro é o grave inverno,
a chuva que amei, a carícia
do fogo no frio silvestre.
Em quarto lugar, o verão
redondo como uma melancia.
A quinta coisa são teus olhos,
Matilde minha, bem-amada,
não quero dormir sem teus olhos,
não quero ser sem que me olhes:
eu mudo a primavera
porque tu me segues olhando.
Amigos, isso é o que quero.
É quase nada e quase tudo.
Agora, se querem podem ir.
Vivi tanto que um dia
terão que esquecer-me por força,
apagando-me do quadro:
Meu coração foi interminável.
Mas, por que peço silêncio
não creiam que vou morrer-me:
me passa todo o contrário:
acontece que vou viver-me.
Acontece que sou e que sigo.
Não será, pois, só que aqui dentro
de mim cresceram cereais,
primeiro os grãos que rompem
a terra para ver a luz,
mas a mãe-terra é escura:
e dentro de mim sou escuro:
sou como um poço em cujas águas
a noite deixa suas estrelas
e segue só pelo campo.
Se trata de que tanto vivi
que quero viver outro tanto.
Nunca me senti tão sonoro,
nunca tive tantos beijos.
Agora, como sempre, é cedo.
Voa a luz com suas abelhas.
Deixem-me só com o dia.
Peço permissão para nascer.
Poema "Pido Silencio" de Pablo Neruda.
Escrito em agosto de 1957. Publicado em 1958, no livro "Estravagario".
Fielmente traduzido por Raul Cézar de Albuquerque.
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