Tempo
passa por mim em profundo silêncio
e com a leveza
que os lírios só emprestam
às serpentes que preparam o bote.
Atacado
- e recuperado do ataque -
vejo que está tudo perdido
e quebrado
abandonado num ponto
irrelevante do caminho.
Lamentar
já não vale a pena
já não vale o lamento
já não vale a possível lágrima.
Agora
é juntar o que sobrou
e tentar construir algo com aquilo
ou só tentar sobreviver mesmo.
Tempo
passou por mim em profundo silêncio
e trouxe consigo
tempestade de areia que enevoa os ares
por minutos-séculos de vida
- e quando a poeira baixa
calculamos as baixas e as ruínas.
Tempo
passeou comigo por corredores
e por cômodos
deixando cheiros característicos
e incômodos.
Agora
não há como estar em casa
e não sentir os cheiros do passado:
o cheiro distante da inocência
o cheiro recente da decepção
o cheiro ansioso do amor vindouro
o cheiro forte das mágoas
o cheiro leve das felicidades anônimas
o cheiro bom
- ainda que putrefacto e violento -
do possível belo amor que não deu certo.
Tempo
Agora
Agora
é necessário extinguir
todos esses cheiros
que se impregnaram nas roupas
nos móveis
e nos imóveis
- deixá-los prontos para
novas marcas
novos arranhões
novos pés quebrados
novos riscos na parede
novas lembranças
que passam como um filme
- ou como um conto russo
ou como uma tragédia shakespeareana
ou como um diário adolescente
ou como uma história esquecida.
Raul Cézar de Albuquerque
02/04/2013
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