Quando nasci, um anjo torto/ desses que vivem na sombra/ disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
O trecho acima é o clássico início do "Poema de sete faces" de Carlos Drummond de Andrade. Para alcançar a totalidade do sentido da frase, deve-se saber que gauche (leia-se, gôche) significa "esquerdo" em francês - por "esquerdo", entenda-se "diferente", "incompatível" ou "deslocado".
Pensando sobre um entrevista que gravei (para a Rádio Sarau) percebi que o fato de sentir-se gauche une todos os poetas de verdade - o sentimento de não-pertencimento. O desespero pelo que não "se encaixa" une todos os poetas numa caverna e eles permanecem lá, o mesmo desespero que levou alguns à loucura e/ou suicídio é que incita a poesia viva e gritada.
Os poetas não querem adequar-se, eles querem ser poetas - sinceros, de preferência. O gauchismo caracteriza o poeta como a musicalidade caracteriza o músico. Baudelaire fala desse sentimento quando fala sobre o albatroz (clique aqui para entender a referência).
Mesmo quando não citado, o fato de ser gauche é que faz o poeta ser poeta. Drummond usou o termo de modo único, um esquerdo no meio dos destros - um poeta no meio dos peregrinos dissolvíveis.
Vou acabar este post com um dos trechos do "Poema de sete faces":
Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
(Viva Drummond!)
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