Bem-Vindo ao Estação 018!


Seja bem-vindo ao "Estação 018"! Um blog pouco reticente, mesmo cheio destas reticências que compõem a existência. Que tenta ser poético, literário e revolucionário, mas acaba se rendendo à calmaria de alguns bons versos. Bem-vindo a uma faceta artística do caos... Embarque sem medo e com ânsia: "Estação 018, onde se fala da vida..."

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Incompreendidos

"The Fighting Temeraire" de Willian Turner


Nós vamos rumo à Ohnos.
Eu sei que é longe.
Mas nós já tomamos nossos barcos
e continuamos seguindo a Ohnos.


Ohnos é uma ilha
que mora na linha do horizonte
- onde o céu e o mar encontram-se.


Seguimos 
com compaixão dos que ficaram em terra firme
- tiveram medo das inconstâncias
frequentes do mar.


Partimos em maior número.
A questão é que as águas são revoltosas
no caminho para Ohnos
e alguns preferem a calmaria
de outros trajetos menos ousados.


Não contamos com a ajuda
de ventos favoráveis
- pois eles nem sempre o serão.
Contamos com os remos
de nossos trirremes.


Fomos - e somos -
traidores de uma causa que desconhecemos.
Vistos de longe,
nós fomos classificados
como exagerados e loucos.


Mas nós não somos loucos.
Nós só queremos chegar a Ohnos.


Aos que nos chamam de soberbos 
e loucos, nossa mais odiosa compaixão.


Contra tudo e todos,
seguimos para Ohnos.
As águas noturnas e inquietas
não nos deixam dormir.
Mas, quando dormimos,
sonhamos com nossos
deleites nas planícies eternas
de Ohnos.


Seguimos a Ohnos.
Ainda há tempo para seguir.


Eu sei que é longe.
Mas continuamos seguindo a Ohnos.


Raul Cézar de Albuquerque
29/06/2012
Dedicado a Pedro Augusto

domingo, 24 de junho de 2012

Respingos de Genialidade #22



"Amei e odiei como toda gente,
Mas para toda a gente isso foi normal e instintivo,
E para mim foi sempre a exceção, o choque, a válvula, o espasmo".

Fernando Pessoa (sob o heterônimo Álvaro de Campos), no poema "Passagem das Horas".

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Resultado




Enquanto houver esta respiração ofegante,
viverei numa epopeia:
a de encontrar-me.

Fui posto entre as mais intermináveis
paredes de um labirinto.
Dédalo projetou meus meios
e Minos, o rei irrevogável,
determinou meu fim.

Em minha incursão,
alguém segura-me 
através de uma corda
- dependo dela para voltar à realidade.

Entro sem medo de ter medo
- pois sei que temerei 
em alguma vírgula da história.

Imergir entre as paredes
é perigoso.
Em cada esquina,
posso encontrar aquele que nunca fui
- os eus que reneguei.

O que levo no peito
não se contém.

Pelos corredores eternos,
encontro fugitivos
- mas eu nunca fugi,
sempre esperei com paciência
a liberdade ilusória.

Por vezes,
encontro loucos
- mas eu não enlouqueci,
ao menos, eu não percebi isto.

Já vi criminosos,
uns seguravam armas,
outros exibiam sonhos,
outros falavam
- não sei se cometi todos esses crimes,
mas já fui punido por 
supostamente praticar alguns deles.

Cada batimento
e cada passo
em direção a minha face mais temida.
Já desenharam-no como um touro,
um leviatã e até compararam-no às quimeras,
mas ele nunca deixará de ser eu.

E quando eu encontrá-lo
- ele que me assusta e me pertence -
deverei matá-lo com um só golpe na cabeça?
Devo derrubá-lo?
Ou deveria deixá-lo vivo aqui dentro?

Talvez não valha a pena
sair do labirinto.
Quando voltarmos - eu, meu barco e sua vela negra - para casa,
posso não ser bem-recebido.
Talvez o mar abra os braços
e receba alguns dos meus.

Por enquanto,
basta-me saber que existe casa,
que existe dúvida,
que existe o mar,
que existe ela,
que existe eu.
E que existe fim.

Raul Cézar de Albuquerque
22/06/2012

sábado, 16 de junho de 2012

Insensível



Por favor.


Eu preciso de alguém 
que me atravesse o peito
com uma estaca seca
- talvez assim,
eu sinta algo.


Eu preciso de um cateter
que me desentupa
as vias lacrimais
e me bata na face
- talvez assim,
venham-me lágrimas.


Eu preciso de um toque doce
que me ressuscite o coração
petrificado pelo frio
- talvez assim, 
ele volte a bater.


Eu preciso de uma mão
que aperte a minha
e me restaure o pulso
- talvez assim, 
eu pulse forte de novo.


Eu preciso de um olhar
que me traspasse.
Preciso de um beijo
que me fira.
De um sussurro
que me bata.
Um silêncio
que me faça falta.


Estaria eu pedindo demais?


Raul Cézar de Albuquerque
16/06/2012

Felicidade (de Fernando Pessoa)




Fernando Pessoa é, de longe, um gênio. Aos seus pseudoamantes, basta saber que ele é famoso pelos seus inéditos e superelaborados heterônimos. Mas, aos loucos que sonham em dissecar sua mente loucamente literária, Pessoa é o grande nome da literatura portuguesa (ao lado, é claro, de Camões). Usado um tema muito clichê - que tornaria qualquer poeta comum mais comum ainda -, a felicidade, Pessoa derrama sua poesia no papel...

Não se acostume com o que não o faz feliz, revolte-se quando julgar necessário.
Alague seu coração de esperanças, mas não deixe que ele se afogue nelas.
Se achar que precisa voltar, volte!
Se perceber que precisa seguir, siga!
Se estiver tudo errado, comece novamente.
Se estiver tudo certo, continue.
Se sentir saudades, mate-a.
Se perder um amor, não se perca!
Se o achar, segure-o!

(Felicidade, de Fernando Pessoa)

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Preconceito ou Desleixo numa língua viva

O preconceito vivo para uma língua vivíssima


Passeando por uma livraria, eu tive o desprazer de encontrar o livro "Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Morta". Pensei que era algo de cunho humorístico-jornalístico considerando as variações históricas da língua portuguesa no Brasil.
Quando comecei a ler o livro, o "jornalista" Alberto Villas obteve todo o meu desprezo: nele estão palavras ainda vivas como "aperreado", "abestado", "almofadinha", etc.

Podemos considerar dois casos:

1. Preconceito: Como "jornalista", o senhor Villas deve saber que ao menos metade das palavras dadas como mortas em seu livro estão ainda vivas em quase todo o Nordeste e Norte do País. Dá-las como mortas por não serem usadas no Centro-Sul do Brasil é fruto do mais puro e imbecil preconceito (certamente ainda existente nessa amálgama cultural que é o Brasil).

2. Desleixo: Como escritor, o autor do livro viu a necessidade de "enchê-lo" e, ao ver o pequeno material conseguido de palavras realmente mortas, decidiu inserir na "obra" as palavras que estão mortas na pequena cabeça de seus leitores. 

De qualquer maneira, é um desrespeito aos nordestinos, como eu, colocar nossa língua - belamente portuguesa - como morta. Morto deveria estar seu preconceito. 
Faço questão de colocar aqui um trecho do Manifesto Regionalista de 1926, escrito pelo antropólogo pernambucano Gilberto Freyre: "A verdade é que não há região no Brasil que exceda o Nordeste em riqueza de tradições ilustres e em nitidez de caráter."

É inevitável sentir um ódio intelectual do senhor Alberto Villas. 
Eu fiquei muito APERREADO por ver que ainda tem muito ABESTADO, muito ALMOFADINHA achando que o Nordeste é um lugar morto com uma língua morta.

Respingos de Genialidade #21



"Vivo naquela solidão que é dolorosa na juventude, mas deliciosa nos anos maduros da vida.”
Albert Einstein

segunda-feira, 11 de junho de 2012

O desrespeito a Lispector


Não há quem nunca tenha visto uma frase de Clarice Lispector vagando pelas redes sociais. Todos já tivemos este desgosto.
Subestimam Lispector, reduzindo-a a uma menina sentimental de 13 anos.
Qualquer pessoa que já tenha lido um romance, um conto ou uma novela da autora sabe que ela está longe de ser uma autora simples e resumitiva. Antes, completa, complexa e hermética (essa última característica, ela negava).
Seu livro mais aclamado, a novela "A Hora da Estrela", começa com algumas afirmações inconclusivas e atormentadoras: 
"Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas antes da pré-história havia a pré-história da pré-história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. Não sei o quê, mas sei que o universo jamais começou."
E essa Clarice filosófica e pensativa, por vezes até niilista, é que se encontra em seus textos. Ainda em "A Hora da Estrela", ela escreve: "Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever."
Num processo próprio, Clarice desenvolveu uma narratividade densa e sugestiva. Ao lado de Guimarães Rosa, ela figura na literatura como revolucionadora do romance brasileiro. 


Dói a qualquer leitor de Clarice ver uma de suas frases fora de contexto (e, às vezes, nem suas) passeando pela internet, amamentando uma alcateia de pseudo-leitores, fortalecendo a incultura e desrespeitando esta grande escritora. Dói.


Clarice Lispector é bem mais do que pensam. Bem mais. Muito mais.

É Proibido



Sempre há aquela salinha
na qual não podemos entrar
e aí entra a imaginação
- aí nasce um poema,
para descobrir ou decifrar
estes mistérios silenciosos.


Sempre há uma caixa
que não pode ser aberta
e aí consideramos as mais
insanas possibilidades
- aí nasce um poema
para enganar consciência.


Sempre há uma gaveta
trancada e inviolada
que grita por ser aberta
e aí gritam as mais ansiantes mãos
- aí nasce um poema
para violar esses casulos.


Sempre há uma janela embaçada
numa tarde fria 
que nos impede de sair
para ver a rua, a vida,
a alegria das crianças,
a saudade dos velhinhos de mãos dadas
e aí nós dormimos,
enredados pelo frio extenso,
até que a tarde vá acabando
- aí nasce um poema.


Sempre há uma garra escondida
que não pode ser exposta
e que você acaba cobrindo com um sorriso.
Sempre há um grito infame
que assustaria as pessoas
e que você acaba cobrindo com um silêncio.
Aí nasce o poema.


Raul Cézar de Albuquerque
11/06/2012

domingo, 10 de junho de 2012

"Relógio" (de Cassiano Ricardo)





"Diante de coisa tão doida
Conservemo-nos serenos.

Cada minuto da vida
Nunca é mais, é sempre menos.

Ser é apenas uma face
Do não ser, e não do ser.

Desde o instante em que se nasce
Já se começa a morrer."

Cassiano Ricardo, no poema "Relógio".

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Multicorrentes



Parece que as correntes só me foram tumultuadas.
Vocês continuaram tranquilos, unidos, sorridentes.
Eu mergulhei no caos.


Mas acho que fico feliz
pelo rumo que as coisas tomaram.
Feliz? O que sei sobre felicidade?
Ignorem-me.


Apenas posso dizer que aceitei
esses tais destinos.
Eu não posso questionar
quem vem escrevendo esta minha incoerente história.
Ou posso?


Eu já ouvi tantos nãos
que se alguém me disser sim
não acreditarei e voltarei ao pó
- ou ao mar revoltoso,
de onde nunca deveria ter saído.
Por outro lado,
também já recusei muitos sins
- talvez hoje eu aceitá-los-ia.


Eu já recusei muitas propostas
e talvez isso tenha me levado a tais correntes,
essas recusas, esses solilóquios desesperados.


Aos poucos, descobri que as folhas alaranjadas
que pairam nos ares de outono são belas, 
mas são sozinhas - planam solitárias.


Recolhido como um náufrago
e cansado de ser levado pela correnteza,
observo desolado a paisagem desolada
- ninguém passou por aqui.


Afinal, 
o egoísmo é a forma mais doentia de solidão.
É o resguardar-se consigo próprio
por saber que ninguém habitará seu casebre
- nem sua mansão.
É o deitar-se na areia como desistência,
tomar a areia como sua, 
mesmo sabendo que o vento a leva sem pedir licença.


Raul Cézar de Albuquerque
08/06/2012

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Respingos de Genialidade #20

O polêmico Jean Genet
(já velho, depois de quebrar muitas regras)
"Com um cuidado maníaco, 'um cuidado ciumento', preparei a minha aventura como se arruma uma cama, um quarto para o amor: eu tive tesão pelo crime."


Jean Genet, na introdução de "Diário de um ladrão".

sábado, 2 de junho de 2012

Em Breve



Eu vou morrer.
Parece-vos óbvio, mas, agora, parece-me próximo.
Por motivos que não merecem destaque, acabei assim:
caído numa encosta de um caminho qualquer,
sem ter como sair daqui – por não saber, não poder ou não querer.
Imóvel permaneço.
Eu já havia sonhado cenas piores
e o céu escurece, sinto uma lufada de ar.

Olhos para os lados. Ninguém.
O vazio parece tomar todo o espaço.
Um arrepio me toma - sou humano.
Eu posso chamar por alguém ou pedir socorro,
mas não me sentiria bem devendo minha vida a alguém.
Por que reluto em ter meu fim?
Olho fixamente para uma estrela solitária
- ela faz-me lembrar de mim.
Abismo. Fim. Nada.

Tudo parece desmoronar.
Não vou chamar ninguém.
Minhas pernas doem. Meus olhos umedecem-se.
Fecho os olhos e uma gota de som me faz abrir a boca.
Não vou chamar ninguém.
Respirar é doloroso. 
Lembranças desenham-se no negro céu.
Vejo claramente 
meus delitos expostos para todos,
minhas frases não-ditas são gritadas pelo vento.
Já não tenho medos, só ânsia de temê-los.
Não vou chamar ninguém.

Estou com sede. Há um córrego no horizonte.
Vou continuar aqui.
Sinto fome. Continuarei com fome.
Por que reluto em ter meu fim,
se tantas vezes já o louvei?
Por quê? 
Já matei tantas pessoas
e agora chegou a minha vez
de desfrutar do ignoto sabor
da eternidade.
Tenho sorte, pois, pelo menos, 
a morte não veio por mãos vingativas,
mas pelas calmas mãos da noite.

Fim. Não há finais felizes.
Há apenas finais. 
E a morte é um fim,
apenas um fim,
o suspirar vazio da alma cansada.
É o fim. 

Raul Cézar de Albuquerque
02/06/2012