Bem-Vindo ao Estação 018!


Seja bem-vindo ao "Estação 018"! Um blog pouco reticente, mesmo cheio destas reticências que compõem a existência. Que tenta ser poético, literário e revolucionário, mas acaba se rendendo à calmaria de alguns bons versos. Bem-vindo a uma faceta artística do caos... Embarque sem medo e com ânsia: "Estação 018, onde se fala da vida..."

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Furta-cor


Emudeci-me
depois de teu alerta e de teu pedido
- ou só porque era realmente tempo de calar.

Mas
- e sempre há um "mas" nessas histórias -
havia teus olhos furta-cor.

Os teus olhos furta-cor
furtaram a cor de algumas lembranças
e deixou-as num preto e branco
saudosista.
Os teus olhos furta-cor
furtaram o tom doce de minhas
canções prediletas.
Os teus olhos...

Desejo ver o universo
que se põe por trás de tuas retinas
- e quem sabe o meu mundo
não poderia dele fazer parte
como um asteroide à deriva.

O furta-cor dos teus olhos
levou-me tanto,
furtou-me tanto,
alegrou-me tanto
e tanto deixou-me...

Raul Cézar de Albuquerque
31/01/2013

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Convenci-me?



Eu subi para questionar
e desci satisfeito
- sem reclamar nem ouvir resposta.

Afinal, o que aconteceu?

Nada esplêndido.
As nuvens debatiam 
com o mar sobre um assunto 
que me interessa.
Ouvi atentamente a discussão
e fiquei convencido.

Ora, convencido de quê?

Algo óbvio.
Convenci-me de que 
a tal felicidade não está
além da fronteira do necessário.

Isso é simples?

Não muito.
Há na plenitude uma dualidade inacessível:
o magnífico é o mais simples;
o máximo é menor que o mínimo;
o destino está aquém da partida.
Ou seja, o que tanto almejas
nunca será alcançado por ti,
mas o que sonhas pode
alcançar-te quando nada mais esperares.

Na verdade,
gostaria de ouvir novamente
aquele debate para certificar-me de alguns conceitos.
Mas a tempestade acabou e o céu já está limpo.

Raul Cézar de Albuquerque
30/01/2013

Respingos de Genialidade #34



"É esquisito ter lembranças de coisas que ainda não aconteceram, acabo de lembrar que Matilde vai sumir para sempre."
Chico Buarque, em "Leite Derramado.

Quatro fases - quatro faces.


I

E a vida faz-se nova
- como um plano secreto,
como página alva,
como madrugada esperando para ser manhã,
como corpo virgem,
como sorriso velado.
Faz-se - assustadoramente - nova.

II

E a vida faz-se crescente
- como plano projetado,
como página rabiscada,
como manhã emerge dos montes (ou do mar),
como corpo tocado,
como sorriso tímido e emergente.
Faz-se - sutilmente - crescente.

III

E a vida faz-se cheia
- como plano executado,
como página lotada de letras e números e almas,
como meio-dia em que o Sol desce à terra,
como corpo em frenesi e repleto de t(r)emores,
como gargalhada incontrolável.
Faz-se - completamente - cheia.

IV

E a vida faz-se minguante
- como plano falido,
como página arremessada ao lixo,
como tarde que cai e vira noite,
como corpo cansado e sonolento,
como sorriso amarelo e arrependido.
Faz-se - finalmente? - minguante.

V

E a vida faz-se nova.
Novamente nova.
Nova de novo.
Toda nova.
Nova para ser velha.
Nova para ser gasta.
Nova...


Raul Cézar de Albuquerque
30/01/2013

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Clara e a maldição

Clara fora amaldiçoada ainda antes de ser gerada. Outras vezes, enquanto era tecida. E, por fim, fora amaldiçoada por sete tias com sete palavras:
"Já é linda, será ainda mais linda!"
E a pobre criança cresceu. Já cedo, sentiu o cumprimento daquelas palavras: dois olhos infinitamente negros, cabelos ainda mais negros e uma pele tão clara e macia que criava inveja nos algodoeiros.
Clara nunca seria mais uma moça. Ela sempre se destacaria. E os garotos - pobres garotos - teriam que trabalhar muito para não se apaixonarem por ela, para mantê-la longe de seus sonhos, para afastarem seu nome das suas bocas. Aos que não tinham tanta força de vontade restava louvar-lhe a beleza, a sinceridade, seu olhar, seu toque - mesmo que dele nunca tenham experimentado.
E o tempo revelava que a maldição cumpriria-se em plenitude: 
"Já é linda, será ainda mais linda!"
Mesmo nos primeiros compassos instáveis da juventude, Clara poderia obliterar o mundo com um olhar e recriá-lo ao primeiro sinal de sorriso - e inúmeras vezes ela fez isso com o universos dos desprotegidos.
Clara, pobre Clara, às portas de sua alma, meninos de dez - doze, vinte, quarenta e até cinquenta - anos entregavam suas vidas. E Clara era obrigada a devolver cada caixa com um sorriso no rosto e uma culpa na alma.
A maldição funcionara.
"Já é linda, será ainda mais linda!"
Clara, doce Clara, um dia saiu de casa sem pretensões de encontrar o amor. Olhando para baixo, cantarolava a terceira de sua lista de músicas preferidas e andava rápido. Batiam três horas da tarde no relógio e o sol não perdoava. Chegando ao destino - a padaria - ergueu os olhos que passaram pelos de um pobre homem desavisado. Ela continuou andando, mas ele não. As terras daquele homem haviam sido saqueadas e destruídas. 
Na inocência que nem sei se ainda lhe cabia, Clara voltou para casa com um saldo modesto: cinco corações atacados, três mortos e dois em situação grave.
Corrosiva maldição. 
"Já é linda, será ainda mais linda!"
E a cada amor dependente criado por ela num coração perdido era motivo para algumas horas de choro vivido e soluçado, depois ela teria de explicar que não poderia haver nada entre eles por que ela nada sentia - por vezes, nem sabia o nome do indivíduo que à sua porta vinha mendigar amor.
Negros olhos, neles poderia ver-se todo o universo e contar todas as estrelas de uma noite - contando-as uma a uma, suspiro a suspiro, sobre o corpo virgem que tanto atraía que assustava os passantes - que a desejavam apenas por vê-la debruçada na janela.
A maldita maldição.
"Já é linda, será ainda mais linda!"
E num devaneio decidiu cortar o rosto, pois as cicatrizes levariam embora a maldição: já não seria bela. Soava a quarta hora do dia, era escuro e tudo na casa era silêncio. Ela levantou-se e foi buscar a faca, pegou-a, voltou ao quarto. Sem ligar a luz para ver o que faria, Clara sacou a faca. Fechou os olhos. Acertou o punho esquerdo. O dia seguinte foi choro e desespero.
A maldição funcionara.
"Já é linda, será ainda mais linda!"

- Raul Cézar de Albuquerque

"Life of Pi" - polêmica e sucesso


O Oscar está chegando... e os cinemas enchem de ótimos (ou ditos ótimos) filmes. Do meio do turbilhão de lançamentos emergiu o filme "Life of Pi" por ser dirigido pelo grande Ang Lee e por seu primor técnico e estético.

Para começar, conversemos sobre o livro que serve de base para o filme. O livro "Life of Pi" é do escritor canadense Yann Martel. Isso já nos leva a uma polêmica pouco divulgada. O livro foi acusado de plagiar "Max e os felinos" - do escritor brasileiro Moacir Scliar. 
Explicando: O livro do Scliar foi lançado em 1981 e retrata um homem - Max - que sai da Alemanha, mas acaba por ficar à deriva com uma onça no meio do Oceano Atlântico. O que nada tem a ver com o pobre Pi que fica à deriva com um tigre no meio do Pacífico retratado no livro do Martel, lançado em 2001. (posso rir?)
Enfim... para completar a bagunça, o livro do canadense foi premiado com o "Man Booker Prize for Fiction" de 2002, o que deu visibilidade ao livro e despertou a questão do plágio. Um crítico percebeu os absurdos pontos comuns entre os livros e alertou Scliar - que decidiu não abrir processo contra o canadense. No fim das contas, Yann Martel admitiu "influência" e acrescentou agradecimento no prefácio do livro.

O livro foi adaptado para o cinema e o filme ficou nas mãos de Ang Lee. Bem... o filme recebeu 11 indicações ao Oscar - incluindo Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Roteiro Adaptado.


A história - aparentemente fantasiosa demais - revela-se um cenário para discussões mais profundas acerca do homem - nos campos da religião e da psicologia humana.
Pi é um jovem indiano que apresenta-se como um hindu católico muçulmano - que se torna um adulto professor de kabbalah. Fato que traz à tona uma visão ecumenista das relações transcendentais. E é uma visão encantadora que nos leva pelo braço em tempos em que "tudo o que é sólido desfaz-se no ar".
O menino aprende de forma brutal que os animais não possuem alma - o que marca indiscutivelmente sua relação futura com Richard Parker (o nome do tigre que divide espaço com ele no bote à deriva). O menino conhece o amor - mas deixa-o na Índia. E viaja com a família para "o sonho americano". A viagem dá errado: turbulência, naufrágio. Só salvam-se Pi e Richard Parker num bote.
O bote é o ponto-chave. Nele Pi descobre coisas e descobre-se. A inicial fé em tudo desfaz-se e refaz-se com facilidade espantosa, mas, por fim, a ideia de "Deus" reforça-se de modo irreversível na mente de Pi.



Do ponto de vista técnico, o filme é impecável. Com cenas que - em breve - se tornarão antológicas. O filme é belo e cativante. A trilha sonora também é digna de muitos elogios. Enfim, se não viu, vá ver.

Mas... tradutores fazem uso de entorpecentes para trabalhar?
Pergunto porque o título do livro é "Life of Pi". 
O título do filme é "Life of Pi". 
Em Portugal, foi traduzido - como esperado e lógico - para "A vida de Pi". 
Por que diabos os brasileiros deram o título "As aventuras de Pi"?

-- Até a próxima!

domingo, 27 de janeiro de 2013

6%

Eu me sinto perdido por não saber que me perdi em teu mundo.
Roto e impuro amor meu que ora desejas, ora temes, ora ignoras.
Yo no te comprendo, tal vez por eso me encante.
Kant e seu imperativo categórico não explicam.
Amor não se explica.

Tu me pedes que tome cuidado com tudo isso, mas
Algo me segura no campo nebuloso onde a cegueira é regra.
Yo no te comprendo, tal vez por eso te quiero.
Não tenha medo.
Não me peça o impossível.
Amo-te como quem jogou-se num abismo - sem volta.

Conte-me suas histórias.
Algo em mim se alegra quando falas.
Venha assim que possível.
Algo em mim se alegra quando te aproximas.
Linda - não te resume, mas se aproxima do que és em todos os planos.
Canta-me uma música tua - só tua.
Algo em mim se alegra quando existes.
Não me torture com pedidos crueis.
Tudo em mim respira aliviado quando sabe que permaneces aí.
Insuperável tom de absurdo. Quem imaginaria: dinamite no iceberg?

Raul Cézar de Albuquerque
27/01/2012

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

5%

Entenda: hoje, amo-te como quem admira vitrines:
Roupas. Sapatos. Livros:
Yeats, C.S. Lewis, Machado, Lispector,
Kundera, Baudelaire, Rimbaud, Neruda.
Ainda, amo-te como quem deseja.

Talvez
Algo de repente me faça querer entrar pra comprar.
Yoga? A calma não chega.
No momento em que eu entrar na loja,
Não pouparei esforços para levar o que me fascinou.
Ainda que eu esvazie o bolso, a bolsa, a boca, a alma e o calendário.

Calma.
Ainda permaneço na vitrine.
Vou ficando cada vez mais tentado a entrar, mas
Ainda permaneço estático.
Longânimo. Sou paciente.
Calma. E tudo dará certo.
Ainda que não seja da maneira que imaginamos,
Não quer dizer que deu errado.
Todos temos modos próprios de encontrar a plenitude.
Impossível não fascinar-me. Os próximos passos... Calma

Raul Cézar de Albuquerque
25/01/2012

4%

Estava escrito que tudo isso aconteceria?
Resisto em crer.
Yuanfen:
Kafka não explica - nem Freud -, mas
Alguns creem que há caminhos prontos só esperando para serem percorridos.

Tudo que vejo faz-me crer que
Algo de nós quer isso que nos acomete.
Yuanfen:
Nossos destinos, olhares e caminhos cruzando-se
Nos mais diversos e felizes - ou tortuosos - pontos.
Assim encontramo-nos. Encontraremo-nos?

Canto músicas que há muito tempo não cantava.
Algo me incita a reler nossas conversas.
Vou atrás da felicidade que não veio,
Atrás de teus olhos imensos.
Logo, logo, eu não mais resistirei em ir ver-te.
Calma, é o que peço a mim mesmo. 
Amor? Seria isso o amor?
Não? O que explicaria essa fascinação distante, mas viva?
Tanto te amo que... será que te amo?
Indo, a certeza vai. Mas o bem-querer cresce. E me toma. E tenho certeza.

Raul Cézar de Albuquerque
25/01/2012

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

3%

Encantado: palavra eufêmica.
Ridículo: como eu me sinto às vezes
Yesterday: eu estava menos encantado - e "o amor era um jogo fácil".
Kit de sobrevivência: 
Amor - as outras coisas virão.

Talvez soe piegas, mas não me refiro
Ao amor como um sentimento nauseante e impetuoso.
Yesterday: um belo modo de dizer que o tempo passou e
Não deixou pedra sobre pedra,
Não deixou nada. Minto.
Aliás, foi mais cruel: deixou-me a esperança.

Convenhamos:
Amor é
Voo incalculável;
Amor é
Lúgubre terreno que floresce;
Convenhamos:
Amor é o que cultivo e o que desejo.
Não é desses arroubos febris que
Tropeçam e morrem.
Indo, tu foste - mas ficaste. E permaneces.

Raul Cézar de Albuquerque
24/01/2013

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

"Metamorfosis" (de Pablo Neruda)


Recebi um pontapé
do tempo e desordenou-se
a triste gaveta da vida.
A hora se atravessou
como doze perdizes pardas
em um caminho poeirento
e o que antes foi uma
passou a ser oito e quarenta
e o mês de abril retrocedeu
até transformar-se em novembro.

Os papeis se me perderam,
não se encontravam os recibos,
encheram-se as lixeiras
com nomes de contribuintes,
com instruções de advogados
e números de gostosas.

Foi uma catástrofe silenciosa.

Começou tudo num domingo
que em vez de sentir-se dourado
se arrependeu da alegria
e se portou tão lentamente
como uma tartaruga na praia
não chegou nunca à segunda-feira.

Ao despertar-me encontrei-me
mais descabelado que nunca,
sem precedentes, esquecido
em uma semana qualquer,
como uma maleta em um trem
que viajara a nenhuma parte
sem condutor nem passageiros.

Não era sonho porque se ouviu
um mugido longo de vaca
e logo trouxeram leite
com calor ainda das úberes,
além mais me rodeava 
um espetáculo celeste:
a travessura dos pássaros
entre as folhas e a névoa.

Mas o sério desse assunto
é que não continuava o tempo.
Tudo seguia sendo sábado
até que a sexta-feira aparecia.

Aonde vou? Aonde vamos?
A quem poderia consultar?

Os monumentos caminhavam
para trás, empurrando o dia
como guardas inexoráveis.
E desmoronava para ontem
todo o horário do relógio.

Não posso mostrar à gente
minha coleção de calafrios:
senti-me só em uma casa
perfurada por goteiras
de um aguaceiro definitivo
e para não perder o tempo,
que era o único perdido,
rompi as últimas lembranças,
despedi-me de minha farmácia,
joguei ao fogo os talões,
as cartas de amor, os chapéus,
e como quem se atira ao mar
eu me atirei contra o espelho.

Mas já não me pude ver.
Sentia que se me perdia
o coração precipitado
e meus braços diminuíram,
desmoronou-se minha altura,
a toda velocidade
se me borravam os anos,
voltaram os meus cabelos,
meus dentes apareceram.

Em um fulgor passei minha infância,
segui contra o tempo na pista
até que não vi de mim mesmo,
de meu retrato no espelho
apenas uma cabeça de mosca,
um microscópico óvulo
voltando outra vez ao ovário.

Poema "Metamorfosis" de Pablo Neruda.
Escrito em Isla Negra, em 1969. Publicado em "Fin de Mundo" em 1969.
Traduzido por Raul Cézar de Albuquerque.

sábado, 19 de janeiro de 2013

2%

E tu foste para mais longe.
Rude vida.
Yin-yang - mais distante, mas mais próxima.
Kamikase eu seria
A fim de ver-te - nem que só um segundo antes do choque fatal.

Todo o sentimento do mundo
Alça voo e esbarra em mim.
Yin-yang - mais próxima, mas mais distante.
Nas voltas do mundo, volte.
Nas idas e vindas, venha.
Ainda que as estrelas sumam, corra ao horizonte de onde emergirá o sol.

Caças tua felicidade, mas ela esconde-se em teus olhos -
Assim como a minha que também aí achou abrigo.
Volta logo. É a frase irracional que meu inconsciente grita.
Aguardo - a resposta, a volta, o toque, o começo, o meio, o recomeço.
Logo, venha logo e mantenha viva a fascinação.
Cante para mim.
Antes que me venha o véu frio e roto da
Noite que se põe sobre
Todos - felizes ou não.
Indo, a vida vai. Mas não se (nem me) deixe ir.

Raul Cézar de Albuquerque
18-19/01/2013


sábado, 12 de janeiro de 2013

Barquinho de papel


"Todo abismo é navegável a barquinhos de papel."
(Guimarães Rosa)

Há um fluxo ininterrupto.
Há um rio que - em suas sinuosidades -
desenha trajetos impossíveis
- impensáveis.

O cenário bucólico vai sendo 
cortado por um córrego que
- gota a gota-
desagua num não-sei-onde
- que preserva seu encanto
imerso no mistério do sem-fim

Tudo grita:
- "Filho, lança tuas dores e teus fardos.
Lança sem medo teu barco.
Lança sem pressa tuas preocupações.
Lança sem medo teu barco."

Lançando o barco
- frágil e inseguro -
confiamos que ele 
nos leve a terrenos e situações
inimagináveis.

Indico-te 
- e nenhuma autoridade tenho para isso -
que soltes teu barco impiedosamente
no fio d'água que corta - e costura - 
teu mundo.

O pior que pode te ocorrer
é que ele molhe, encharque-se e afunde.
Então, poderás fazer outro e outro e outro...

Mas algum destes outros há de romper
todas as barreiras e regras. E há
de descer tranquilo pelas corredeiras e
fugir do alcance da visão.

Enfim,
faze bons barcos
e lança-os.

Enfim,
faze bons barcos,
lança-os
e sê paciente.

Bons barcos vão longe
- quando lançados no córrego certo
no período certo.
Bons barcos darão certo
- no tempo certo.

Faze bons barcos e lança-os.
Então, descansa.

Raul Cézar de Albuquerque
12/01/2013

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Respingos de Genialidade #33


"Em cada pingo de chuva a minha vida falhada chora na natureza. Há qualquer coisa do meu desassossego no gota a gota, no bátega a bátega com que a tristeza do dia se destorna inutilmente sobre a terra. 
[...] Uma mão fria aperta-me a garganta e não me deixa respirar a vida."

Fernando Pessoa, no trecho 141 do "Livro do Desassossego".

Nem voltes


Se pões a adaga tão fundo,
é por que não tens pena 
nem do que tu mesma sentirás depois.

Num espasmo emocional,
matas teu próprio orgulho e 
repartes teus tesouros, jogando-os aos abutres.

Se é teu desejo
que me compadeça de ti,
dou-te parabéns, pois conseguiste.

Não consigo odiar-te, mas
há algo em mim que supôs repulsa
ao teu tom soberbo, mesmo em tão
adversa e impensada situação.

Dizer "te amo" seria
hipocrisia agora
- e talvez pelos próximos dias também.

Tornaste improdutivo
o teu caminho.
Feriste quem te guiou e acompanhou;
Agora,
some do alcance da visão.

Depois,
- se quiseres -
volta, mas com um novo rosto.
Com os sorrisos que vendeste a baixos preços.
Com as qualidades que esqueceste.
Com o que um dia encantou-me.

Se assim não for, é melhor que nem voltes.

Raul Cézar de Albuquerque
02/01/2013