Bem-Vindo ao Estação 018!


Seja bem-vindo ao "Estação 018"! Um blog pouco reticente, mesmo cheio destas reticências que compõem a existência. Que tenta ser poético, literário e revolucionário, mas acaba se rendendo à calmaria de alguns bons versos. Bem-vindo a uma faceta artística do caos... Embarque sem medo e com ânsia: "Estação 018, onde se fala da vida..."

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Secou o rio

Secou o rio
no verão da existência.
O calor morto
escurece os cimos.
Das alturas,
a chuva repensa sua tarefa
e não cai.
E não chove.
Enfim,
secou o rio.


Dos verdes milagres,
resta o gris.
Enfim,
secou o rio.

Em se transpor,
perdeu-se
o rio.

O que restou
não passa de efêmero 
vapor.

Do caudaloso rio,
restou um fio,
um fio d'água,
tímido,
mas esperançoso.

Um fio da linha do tempo,
há tempos, interminável, 

hoje linha frágil,
vida pequena.

Mas se a chuva
voltar a ser chuva,
o rio voltará

o que foi linha do tempo
será abundância.

Raul Albuquerque
25/09/2013

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

sacerdócio


foi achado ontem
o corpo do sacerdote
jogado no centro 
do templo

suicídio certamente

a mão ensaguentada
segurando a faca 
que traspassa a garganta
não deixa dúvidas

depois de anos
de sacerdócio silencioso
e solitário,
o homem sucumbiu

quatro paredes
de isolamento acústico
e mórbido concreto
coroadas com uma porta
que ninguém abre

o senhor barbudo
e cuja voz ninguém nunca havia ouvido
dedicara toda sua vida
- e toda sua morte -
àquele templo e a seu deus

o senhor cuja voz ninguém nunca havia ouvido
era uma lenda
construíra o templo
e entrara lá há muitos anos

ninguém sabia se vivo estava
nada via ou ouvia
que viesse do templo
sempre fechado

o hermético templo
era lenda
monumento
sinal dos tempos
relíquia
dúvida

mas numa tarde qualquer
em que o vento monologava
ouviu-se um grito

ouviu-se um grito
e a porta do templo 
entreabriu-se

todo o povo saiu e ficou à porta do edifício
todos tinham medo 
todos tinham dúvidas

até que alguém empurrou a porta
e todos viram
o velho sacerdote
caído no no centro 
do templo

suicídio certamente

o templo
tão idealizado
tinha poucos detalhes por dentro
mais parecia um galpão

lá o velho sacerdote
passara seus anos
dedicando vida 
tempo e voz 
ao seu deus

com o grito antes da morte
ele quebrara o sacerdócio

retiraram o corpo
e decretaram o lugar como amaldiçoado
selaram a porta

e assim
o silêncio
rei e deus
voltava a ser 
soberano
naquelas quatro paredes
que guardavam o chão ensanguentado
e a lembrança de um grito

Raul Albuquerque
20/09/2013

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

compaixão

                                   é pra todomundo sentir
                              a dor de todomundo
                      mas a dor de todomundo é muita dor pra 
                                             todomundo sentir

em vez de dividir
a gente soma e todomundo leva a dor de 
                           todomundo

                           todomundo no metro quadrado mais caro da cidade
                                                       o metro quadrado da ignorância
                        e todomundo leva 
            a dor de todomundo sem saber bem 
quanto de dor
            é a dor de todomundo


Raul Albuquerque
18/09/2013

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Só pra agradecer


Você, que já vai indo,
avisa lá que eu só tenho a agradecer.
Avisa que, depois da dor insuportável,
eu comecei a entender 
algumas pontuações
e entendi que eu não entendo
dessas coisas de viver.

Você, que já vai indo,
diz lá que eu agradeço
por não ter chance de escolher
- sei que escolheria errado.
Agradeço também 
pelas luzes apagadas
que nem me deram a chance de escolher o caminho
errado.

Você, que já vai indo,
não se esqueça de dizer
que eu agradeço
pelas algemas
- o crime de existir
me enquadra entre o mais vil
dos homicidas.

Você, que já vai indo,
leve meus agradecimentos
e meu laudo médico
comprovando que os meus pulsos
estão comprometidos,
meu pulmão tem lá seus problemas
- depois do sufocamento -
e meu coração... ele não consta no laudo,
devo tê-lo perdido em algum lugar,
ou foi tirado enquanto eu dormia
- provavelmente foi substituído
por um equipamento análogo,
não reclamo.

Você, que já vai indo,
agradece lá,
porque eu estou intacto,
nada me acometeu,
nem ventos passaram aqui,
por causa da janela fechada
que nunca consegui abrir.

Você, que já vai indo,
agradece lá.

Raul Albuquerque
17/09/2013

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

eco

quando eu grito
"cadê você?"
dentro de mim

só recebo o eco
"cadê você?"

ondestá você?
ondestá você?

sescondeu onde?
sescondeu onde?

os versos, cadê?
os versos, cadê?

tá tudo tão vazio...
tá tudo tão vazio...

você, ondestá?
você, ondestá?

aonde vai?
aonde vou?
                      nem sei, sabe?

Raul Albuquerque
16/09/2013

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

sobre semear (2)


ver nascer o que não se plantou 
é uma vertigem

quando faz sombra
ou alivia o calor
é diferente
afinal o céu dá presente
e nem tudo é labor

eu 
que plantei vento
nunca recebi furacão
ventania
ou brisa negligente

quando pensei em entrar
senti cair umas
três gotas

era uma chuva de fim de tarde
que não pedi
não plantei 
mas veio

não sei como veio
nem vi nuvens se formarem
só senti três gotas 
e estava chovendo 

num arroubo
olhar para cima e abrir a boca
era vital

bebi da chuva 
que não pedi 
nem plantei

a noite veio e a chuva acabou
recolhi-me fazia frio
daquela chuva
restaram-me 
um mal estar crônico
uma gripe (que às vezes vai mas sempre volta
                    e que inclui uma tosse de murmúrios e lamentos
                    e acesso de espirros - impurezas no pulmão)
e uma lembrança boa de uma chuva de fim de tarde

mas o que eu plantei não vingou
de quem me vingarei?

Raul Albuquerque
13/09/2013

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Amortecimento


caiu mas não doeu
amor teceu uma rede
e amorteceu a queda

tomara que 
amor teça redes
e amorteça quedas
até a morte ser

Raul Albuquerque
12/09/2013

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

incompletas

sou louco pra passear em tu

a rua

adoro entrar em tu

a casa

fico louco quando estou em tu

a sala

amo dançar em tu

a cozinha 
              [sem medo de queimar

quero mais é estar em tu

a cama
          [sendo te
                  u
                  único colchão e travesseiro
         [sendo ai
                        nda o primeiro
                              a ter tu
a vida por inteiro.

Raul Albuquerque