Secou o rio
no verão da existência.
O calor morto
escurece os cimos.
Das alturas,
a chuva repensa sua tarefa
e não cai.
E não chove.
Enfim,
secou o rio.
Dos verdes milagres,
resta o gris.
Enfim,
secou o rio.
Em se transpor,
perdeu-se
o rio.
O que restou
não passa de efêmero
vapor.
Do caudaloso rio,
restou um fio,
um fio d'água,
tímido,
mas esperançoso.
Um fio da linha do tempo,
há tempos, interminável,
hoje linha frágil,
vida pequena.
Mas se a chuva
voltar a ser chuva,
o rio voltará
e
o que foi linha do tempo
será abundância.
Raul Albuquerque
25/09/2013
Bem-Vindo ao Estação 018!
quinta-feira, 26 de setembro de 2013
sexta-feira, 20 de setembro de 2013
sacerdócio
foi achado ontem
o corpo do sacerdote
jogado no centro
do templo
suicídio certamente
a mão ensaguentada
segurando a faca
que traspassa a garganta
não deixa dúvidas
depois de anos
de sacerdócio silencioso
e solitário,
o homem sucumbiu
quatro paredes
de isolamento acústico
e mórbido concreto
coroadas com uma porta
que ninguém abre
o senhor barbudo
e cuja voz ninguém nunca havia ouvido
dedicara toda sua vida
- e toda sua morte -
àquele templo e a seu deus
o senhor cuja voz ninguém nunca havia ouvido
era uma lenda
construíra o templo
e entrara lá há muitos anos
ninguém sabia se vivo estava
nada via ou ouvia
que viesse do templo
sempre fechado
o hermético templo
era lenda
monumento
sinal dos tempos
relíquia
dúvida
mas numa tarde qualquer
em que o vento monologava
ouviu-se um grito
ouviu-se um grito
e a porta do templo
entreabriu-se
todo o povo saiu e ficou à porta do edifício
todos tinham medo
todos tinham dúvidas
até que alguém empurrou a porta
e todos viram
o velho sacerdote
caído no no centro
do templo
suicídio certamente
o templo
tão idealizado
tinha poucos detalhes por dentro
mais parecia um galpão
lá o velho sacerdote
passara seus anos
dedicando vida
tempo e voz
ao seu deus
com o grito antes da morte
ele quebrara o sacerdócio
retiraram o corpo
e decretaram o lugar como amaldiçoado
selaram a porta
e assim
o silêncio
rei e deus
voltava a ser
soberano
naquelas quatro paredes
que guardavam o chão ensanguentado
e a lembrança de um grito
Raul Albuquerque
20/09/2013
quarta-feira, 18 de setembro de 2013
compaixão
é pra todomundo sentir
a dor de todomundo
mas a dor de todomundo é muita dor pra
todomundo sentir
em vez de dividir
a gente soma e todomundo leva a dor de
todomundo
todomundo no metro quadrado mais caro da cidade
o metro quadrado da ignorância
e todomundo leva
a dor de todomundo sem saber bem
quanto de dor
é a dor de todomundo
Raul Albuquerque
18/09/2013
a dor de todomundo
mas a dor de todomundo é muita dor pra
todomundo sentir
em vez de dividir
a gente soma e todomundo leva a dor de
todomundo
todomundo no metro quadrado mais caro da cidade
o metro quadrado da ignorância
e todomundo leva
a dor de todomundo sem saber bem
quanto de dor
é a dor de todomundo
Raul Albuquerque
18/09/2013
terça-feira, 17 de setembro de 2013
Só pra agradecer
Você, que já vai indo,
avisa lá que eu só tenho a agradecer.
Avisa que, depois da dor insuportável,
eu comecei a entender
algumas pontuações
e entendi que eu não entendo
dessas coisas de viver.
Você, que já vai indo,
diz lá que eu agradeço
por não ter chance de escolher
- sei que escolheria errado.
Agradeço também
pelas luzes apagadas
que nem me deram a chance de escolher o caminho
errado.
Você, que já vai indo,
não se esqueça de dizer
que eu agradeço
pelas algemas
- o crime de existir
me enquadra entre o mais vil
dos homicidas.
Você, que já vai indo,
leve meus agradecimentos
e meu laudo médico
comprovando que os meus pulsos
estão comprometidos,
meu pulmão tem lá seus problemas
- depois do sufocamento -
e meu coração... ele não consta no laudo,
devo tê-lo perdido em algum lugar,
ou foi tirado enquanto eu dormia
- provavelmente foi substituído
por um equipamento análogo,
não reclamo.
Você, que já vai indo,
agradece lá,
porque eu estou intacto,
nada me acometeu,
nem ventos passaram aqui,
por causa da janela fechada
que nunca consegui abrir.
Você, que já vai indo,
agradece lá.
Raul Albuquerque
17/09/2013
segunda-feira, 16 de setembro de 2013
eco
quando eu grito
"cadê você?"
dentro de mim
só recebo o eco
"cadê você?"
ondestá você?
ondestá você?
sescondeu onde?
sescondeu onde?
os versos, cadê?
os versos, cadê?
tá tudo tão vazio...
tá tudo tão vazio...
você, ondestá?
você, ondestá?
aonde vai?
aonde vou?
nem sei, sabe?
Raul Albuquerque
16/09/2013
"cadê você?"
dentro de mim
só recebo o eco
"cadê você?"
ondestá você?
ondestá você?
sescondeu onde?
sescondeu onde?
os versos, cadê?
os versos, cadê?
tá tudo tão vazio...
tá tudo tão vazio...
você, ondestá?
você, ondestá?
aonde vai?
aonde vou?
nem sei, sabe?
Raul Albuquerque
16/09/2013
sexta-feira, 13 de setembro de 2013
sobre semear (2)
ver nascer o que não se plantou
é uma vertigem
quando faz sombra
ou alivia o calor
é diferente
afinal o céu dá presente
e nem tudo é labor
eu
que plantei vento
nunca recebi furacão
ventania
ou brisa negligente
quando pensei em entrar
senti cair umas
três gotas
era uma chuva de fim de tarde
que não pedi
não plantei
mas veio
não sei como veio
nem vi nuvens se formarem
só senti três gotas
e estava chovendo
num arroubo
olhar para cima e abrir a boca
era vital
bebi da chuva
que não pedi
nem plantei
a noite veio e a chuva acabou
recolhi-me fazia frio
daquela chuva
restaram-me
um mal estar crônico
uma gripe (que às vezes vai mas sempre volta
e que inclui uma tosse de murmúrios e lamentos
e acesso de espirros - impurezas no pulmão)
e uma lembrança boa de uma chuva de fim de tarde
mas o que eu plantei não vingou
de quem me vingarei?
Raul Albuquerque
13/09/2013
quinta-feira, 12 de setembro de 2013
Amortecimento
caiu mas não doeu
amor teceu uma rede
e amorteceu a queda
tomara que
amor teça redes
e amorteça quedas
até a morte ser
Raul Albuquerque
12/09/2013
quinta-feira, 5 de setembro de 2013
incompletas
sou louco pra passear em tu
a rua
adoro entrar em tu
a casa
fico louco quando estou em tu
a sala
amo dançar em tu
a cozinha
[sem medo de queimar
quero mais é estar em tu
a cama
[sendo te
u
único colchão e travesseiro
[sendo ai
nda o primeiro
a ter tu
a vida por inteiro.
Raul Albuquerque
a rua
adoro entrar em tu
a casa
fico louco quando estou em tu
a sala
amo dançar em tu
a cozinha
[sem medo de queimar
quero mais é estar em tu
a cama
[sendo te
u
único colchão e travesseiro
[sendo ai
nda o primeiro
a ter tu
a vida por inteiro.
Raul Albuquerque
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