Bem-Vindo ao Estação 018!


Seja bem-vindo ao "Estação 018"! Um blog pouco reticente, mesmo cheio destas reticências que compõem a existência. Que tenta ser poético, literário e revolucionário, mas acaba se rendendo à calmaria de alguns bons versos. Bem-vindo a uma faceta artística do caos... Embarque sem medo e com ânsia: "Estação 018, onde se fala da vida..."

sábado, 29 de setembro de 2012

Sobre o caso "Monteiro Lobato"


Têm corrido no meio jurídico-literário comentários e achismos sobre a obra de Monteiro Lobato. As vozes têm tido destaque após as acusações à obra do escritor: estão dizendo que sua obra tem traços racistas.
Suscitada em 2010, a polêmica acerca de "Caçadas de Pedrinho" gira em torno das referências "ofensivas" à Tia Anastácia. Teoria nojenta e infundada, os "ofendidos" destacam o trecho: 
"Lá é isso é - resmungou a preta, pendurando o beiço."
[Só eu não vi nada de mais?] Só para constar, o livro foi escrito em 1933, ou seja, o contexto social e político do escritor paulista era outro. Uma sociedade que ainda se acostumava com a ideia do negro livre - deve constar-se ainda que, para a época, é trunfo do autor colocar a negra em ponto destacado da narrativa.
Não queria tocar no "politicamente correto", mas parece inevitável. Meus caros, arte é libertação. E quando há controle sobre a liberdade, esta já não existe. O romance de aventura para crianças - no qual, o nosso amado Lobato foi pioneiro por estas bandas - foi escrito para ser lido por mentes despreocupadas e ansiantes por ação e humor numa narrativa pulsante.
É hora dos políticos tratarem de política, os juristas, de suas leis e deixarmos a literatura com o tempo, pois só o tempo discerne o que merece destaque ou não.
Monteiro Lobato morreu em 1948, mas tornou-se imortal por sua obra - obra esta cheia de achismos, opiniões e preconceitos, sim! (porque o autor não é um ser sobre todas as variáveis, é um ser humano que escreve o que lhe perturba... simples assim!)
Lobato é imortal. Li seus livros e não sou racista. Tenho meus preconceitos,  pois todos os temos. Lobato é imortal!

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Último Pedido


Até aceito teu adeus, mas não agora.
Sem um último toque 
que me gere arrepio.

Dá-me, pois, um último pedido
antes de minha morte
- pois para mim é isso que significa tua ida:
morte.

Deixa-me puxar-te pela mão e 
fazer-te feliz por mais uma noite.
Deixa que meus lábios possam 
apertar os teus suavemente.

Seria meu último suspiro válido.

Façamos daquela cama um altar
e que eu seja o sacrifício
- que lá eu acabe todas as minhas
forças e vontades.

Voltemos aos nossos grunhidos 
ininteligíveis por mais umas horas
- ou que voltemos ao silêncio mais primitivo.

Depois de deixar a felicidade
transformar-se em gotas 
que brotam do toque de duas peles,
deixa-me dormir - num sono pesado 
como a morte.

Enquanto durmo - e sonho que
fizemos tudo de novo -, podes arrumar tuas
coisas, tuas roupas, teus brincos
e podes deixar teu perfume impregnado 
nas paredes da sala, podes deixar 
uma carta de amor hipócrita e insincera
debaixo do vaso de flores ou em cima
do sofá.

Então, tentarei um novo 
motivo que me prove que a
vida vale a pena. Quanto a ti,
morreste para mim.

Raul Cézar de Albuquerque
28/09/2012

O último poema (de Manuel Bandeira)



O pernambucano Manuel Bandeira iniciou sua produção literária nos moldes parnasianos, mas libertou-se e surgiu com destaque inquestionável no cenário modernista. Tuberculoso, passou sua vida sendo ameaçado pela morte e esse ininterrupto sentimento de fim marcou fortemente sua poesia. Cheio de um lirismo ansiante - beirando o nostálgico -, ele destaca o seu ideal, seu último poema...


Assim eu quereria meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Notas: "Joseph Anton" e "Cinquenta Tons"


Com o caos que tomou o mundo islâmico nos últimos dias, é anunciada uma nova bomba para tal cenário: a publicação das memórias de Salman Rushdie. Autor do livro "Versos satânicos", que foi classificado como "ofensa ao Islã e ao profeta Maomé" pelo aiatolá Khomeini, o anglo-indiano teve sua cabeça valendo muito quando lançou o livro - e, hoje, vale 3,3 milhões de dólares. O livro intitula-se "Joseph Anton", porque esse foi o pseudônimo que ele usou durante o período em que fugiu da condenação à morte - inspirado em dois ícones: Joseph Conrad e Anton Tchekóv
O livro tem a curiosidade ser escrito em terceira pessoa - algo nada comum em livros de memórias - e discorre sobre os sentimentos do escritor enquanto fugia da fúria islâmica. É do livro o trecho:
"O que pensou foi: Estou morto. Ficou pensando em quantos dias lhe restavam para viver, e achou que a resposta seria, com toda probabilidade, um número de um só algarismo."
*** 

Cinquenta Tons de Qualquer Coisa

Essa nota é sobre o mais recente sucesso do mercado literário, conhecido das massas: Cinquenta tons de cinza (e continuações). Definido sucintamente como "romance erótico para mulheres", o livro é a prova de que a sociedade ocidental perdeu o controle de si própria. 
O livro é recheado de fetiches, relações proibidas e "loucuras", ou seja, pronto para arrebatar multidões de mulheres solitárias e/ou insatisfeitas com as próprias vidas - uma prima pobre da autoajuda. Mediocridade e sexo vendem - e como vendem!
Algo que me chamou a atenção foi o feminismo machista que percorre o livro, pois a mesma mulher que conversa com sua "deusa interior" - e isso é ridículo - é a mesma que dá-se aos caprichos de um psicopata masoquista - só eu percebi o descompasso?
Além da impossibilidade de isso ser classificado como literatura, há ainda algo mais sociológico: o que se pode pensar de uma sociedade que aceita um "romance erótico para mulheres" como produção literária comum, exposto nas mesas de indicação de livrarias? Deve haver algo muito  errado nessa história.

sábado, 15 de setembro de 2012

Lispector: "Sobre a Escrita"





Clarice - hoje amada e reproduzida exaustivamente nas redes sociais - releva sua opinião mais íntima sobre sua relação - conturbada e bem-sucedida - com as palavras. Na verdade, sua maestria descreve a relação das palavras com o poeta e do poeta com o sentido de suas palavras. Sobre a Escrita...

Sobre a Escrita

Meu Deus do céu, não tenho nada a dizer. O som de minha máquina é macio.

Que é que eu posso escrever? Como recomeçar a anotar frases? A palavra é o meu meio de comunicação. Eu só poderia amá-la. Eu jogo com elas como se lançam dados: acaso e fatalidade. A palavra é tão forte que atravessa a barreira do som. Cada palavra é uma idéia. Cada palavra materializa o espírito. Quanto mais palavras eu conheço, mais sou capaz de pensar o meu sentimento.

Devemos modelar nossas palavras até se tornarem o mais fino invólucro dos nossos pensamentos. Sempre achei que o traço de um escultor é identificável por um extrema simplicidade de linhas. Todas as palavras que digo – é por esconderem outras palavras.
Qual é mesmo a palavra secreta? Não sei é porque a ouso? Não sei porque não ouso dizê-la? Sinto que existe uma palavra, talvez unicamente uma, que não pode e não deve ser pronunciada. Parece-me que todo o resto não é proibido. Mas acontece que eu quero é exatamente me unir a essa palavra proibida. Ou será? Se eu encontrar essa palavra, só a direi em boca fechada, para mim mesma, senão corro o risco de virar alma perdida por toda a eternidade. Os que inventaram o Velho Testamento sabiam que existia uma fruta proibida. As palavras é que me impedem de dizer a verdade.

Simplesmente não há palavras.

O que não sei dizer é mais importante do que o que eu digo. Acho que o som da música é imprescindível para o ser humano e que o uso da palavra falada e escrita são como a música, duas coisas das mais altas que nos elevam do reino dos macacos, do reino animal, e mineral e vegetal também. Sim, mas é a sorte às vezes.

Sempre quis atingir através da palavra alguma coisa que fosse ao mesmo tempo sem moeda e que fosse e transmitisse tranqüilidade ou simplesmente a verdade mais profunda existente no ser humano e nas coisas. Cada vez mais eu escrevo com menos palavras. Meu livro melhor acontecerá quando eu de todo não escrever. Eu tenho uma falta de assunto essencial. Todo homem tem sina obscura de pensamento que pode ser o de um crepúsculo e pode ser uma aurora.

Simplesmente as palavras do homem.

Clarice Lispector em "Sobre a Escrita", no livro "A descoberta do mundo", de 1984.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Da infalibilidade


Ó imaculada máquina,
admiro teu tom prateado
que existe para ser corroído,
mas que manténs com 
firmeza.

Invejo o modo rotineiro
e compassado com que 
fazes teu dever.

Quando vejo teu ar marcado,
tua pressão controlada
e tua ação infalível,
penso ser possível
o melhor de mim.

Mas, rainha de cobre e ferro,
eu tenho em mim a semente 
da falha, do erro, do além 
e do aquém.

A felicidade, pois, é prova
de que não há como correr
- em vão - atrás da infalibilidade
e sentir-se pleno. 
Por vezes, culpo o onde ou o quando
por minhas dissonâncias...
é vão, a falha nasce e vem,
é parte nossa.

Mãe e mão. Voo e vaia.
Teu arfar produtivo me
encanta, mas não é 
para mim.
Nasci assim.
Surgi para a falha.
Nasci para a morte
- aí está minha falha: acabo,
findo, morro, sem ter posto
tudo em prática sem ter a 
plenitude em mim.

Raul Cézar de Albuquerque
13/09/2012

domingo, 9 de setembro de 2012

Respingos de Genialidade #28


"Um segredo vale o quanto valem aqueles dos quais temos de guardá-lo."
Carlos Ruiz Zafón, no início de "A Sombra do Vento".

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

"Íntima Idade" (de Fernando Ivo)




Chega uma idade
(E não são dez, vinte ou cem anos!)
Em que o amor se estabelece,
Tonto ainda de surpresa
Ou duro e resistente de tristezas...

Chega uma idade
(Suspensa no tempo e no espaço!)
Em que os olhos brilham no infinito
E verdes envolvem tudo em volta
E pretos se assustam e se renovam...

Chega uma idade
(E um sonho, e um toque...)
Em que palavras não resumem sentimento
E apenas a pele manifesta o prazer
E os olhos fecham e a mente voa...

Chega uma idade
(E dela fugir é impossível...)
Em que as mentes e os corpos se procuram.
Homem e Mulher em completude,
Em calor, em suor, se complementam...

Chega, enfim, uma idade
(E o nome se diz: intimidade!)
Em que medos e sustos evaporam
E os cinco sentidos predominam:
Eu e Você. Só!

Silêncio!!

de Fernando Ivo.

Respingos de Genialidade #27


"Sou homem, depois desse falimento? Sou o que não foi, o que vai ficar calado. Sei que agora é tarde, e temo abreviar com a vida, nos rasos do mundo. Mas, então, ao menos, que, no artigo da morte, peguem em mim, e me depositem também numa canoinha de nada, nessa água, que não para, de longas beiras: e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio a dentro - o rio."

João Guimarães Rosa, no conto "A terceira margem do rio" do livro "Primeiras Estórias".

domingo, 2 de setembro de 2012

Soneto ao Roubo



Ladra. Tu roubaste-me de meu claustro.
Inoportuna, és sempre bem-vinda.
Roubaste a dor que me restava ainda
e tomaste o lugar do eterno astro.

Ladra. Tu roubas-me a confiança
sempre que me encontram teus oceânicos
e perdidos e loucos e tirânicos 
olhos onde a Beleza descansa.

Teus olhos roubaram-me de mim,
levaram aquelas batidas soltas
que me faziam crer num amor sem fim.

Rouba-me agora o que sobrou.
Podes levar-me aonde fores louca.
Podes usar de tudo o que sou.

Raul Cézar de Albuquerque
02/09/2012

sábado, 1 de setembro de 2012

Minha Entrevista à Rádio Sarau




No mês passado, gravei uma entrevista a um professor (e grande amigo), Leandro Alekrin. A entrevista foi transmitida pela Rádio Sarau no programa Pernambucolismo (apresentado pelo próprio Alekrin). 
Foi ótimo gravar a entrevista. Superdivertido. A entrevista é sobre o E018 e sobre minha relação com o blog: seu início, seu meio e seu não-fim.
Espero que gostem!