Bem-Vindo ao Estação 018!


Seja bem-vindo ao "Estação 018"! Um blog pouco reticente, mesmo cheio destas reticências que compõem a existência. Que tenta ser poético, literário e revolucionário, mas acaba se rendendo à calmaria de alguns bons versos. Bem-vindo a uma faceta artística do caos... Embarque sem medo e com ânsia: "Estação 018, onde se fala da vida..."

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Grito



Deus, 
não sei se o que fiz foi certo,
mas sei que o fiz.
Há perdão para este pobre filho teimoso
- e ansioso pelas coisas da vida?


Estou cansado de esperar
o renascer ígneo da ave mítica.
Estou cansado de ver
a imantação natural das almas.
Estou exausto.


Tenho improvisado lágrimas.
Tenho conversado com meus lamentos.
Tenho ouvido a loucura bater à minha porta.
Tenho cantado elegias sem letra.


Deus,
há salvação para esta alma revoltosa
- esta alma condenável e solúvel?


Minhas palavras não me obedecem.
Meus olhos tem se fechado.
Meu sorriso está escondido
- e eu não sei onde.


Já deitei em mares doces
e minhas lágrimas fizeram
com que se salgassem.
Tenho vivido desses mares
- salgados, fluidos e lacrimejados.


Deus, tenho medo,
tenho medo de morrer assim.


Raul Cézar de Albuquerque
28/05/2012

domingo, 27 de maio de 2012

Günter Grass reaparece...

Imagem de Günter Grass, autor de "O Tambor" e Nobel de Literatura de 1999

Parece que Günter Grass está querendo sumir do campo literário e entrar no campo puramente político. O Nobel de 1999, depois de criar polêmica com Israel, publicou um poema no sábado (26/05) criticando as ações da União Europeia com relação à Grécia.
Num novo uso de seu status para divulgar suas ideias, Grass escreve o poema "A vergonha da Europa" no mesmo jornal ao sul da Alemanha. No poema, ele diz:

"Próxima ao caos, por não servir ao mercado, 
você está longe do país, que lhe serviu de berço."

Num desabafo quase grego, ele expõe o que, a seus olhos, parece ocorrer com a Grécia, ligando o fato atual ao do mais ilustre habitante da região da Ática, Sócrates ao beber a cicuta:

"Beba de uma vez, beba!, gritam os comissários em claque, 
mas Sócrates lhes devolve irado a taça cheia."

Depois de defesas apaixonadas, Grass entrega a sentença da UE por seus maus atos perante seu berço cultural e filosófico. Ele dá o veredicto:

"Tu vais definhar privada de alma sem o país que te concebeu, tu, Europa."

Os poemas de Grass voltaram com um tom mais defensivo, melhor do que seu ódio exposto a Israel, o que lhe trouxe alguns problemas de diplomacia. O escritor publica o poema numa Alemanha onde 60% das pessoas querem a retirada da Grécia da zona do Euro. 

Qual será a próxima de Günter Grass?


Este vazio que faz falta



Hoje,
faltou-me um vento no rosto ao acordar,
faltou-me um verso relembrado ao olhar o teto,
faltou-me um olhar desejoso lançado ao livro
   que repousava no chão ao lado da cama,
faltou-me um sorriso na alma de "mais uma chance de ser",
faltou-me um toque tortuoso e violento no travesseiro,
faltou-me um pouco de mim.


Mas nada faria falta,
se teus olhos tocassem os meus,
se tua voz me desse bom-dia,
se tua cabeça repousasse no travesseiro ao lado.


Mas é este vazio meu
- que é teu -
que me faz falta,
que grita no vácuo aqui dentro.


Raul Cézar de Albuquerque
27/05/2012
Dedicado a Minha Exclamação.

sábado, 26 de maio de 2012

Pré-História (de Murilo Mendes)



Murilo Mendes, por Ismael Nery


Murilo Mendes, poeta modernista, expoente da poesia brasileira no século XX. Sua poesia fortemente surrealista é marcada pela alteração (ou nulidade) lógica, embora haja manutenção da sintaxe. O poema a seguir expõe a face mais clara do surreal defendido por Mendes...


Mamãe vestida de rendas
Tocava piano no caos.
Uma noite abriu as asas
Cansada de tanto som,
Equilibrou-se no azul,
De tonta não mais olhou
Para mim, para ninguém!
Caiu no álbum de retratos.

Fica a Dica: Sobre escrever!


O Suicida (de Jorge Luis Borges)



Jorge Luis Borges, escritor argentino


Não restará na noite uma só estrela.
Não restará a noite.
Morrerei e comigo irá a soma
Do intolerável universo.
Apagarei as pirâmides, as medalhas,
Os continentes e os rostos.
Apagarei a acumulação do passado.
Farei pó a história, do pó o pó.
Estou olhando o último poente.
Ouço o último pássaro.
Deixo o nada a ninguém.

Poema "El Suicida" de Jorge Luis Borges, publicado no livro "A Rosa Profunda".

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Respingos de Genialidade #19



"Com surda cólera Eugênio contemplava a imagem do espelho. Era como se estivesse diante de um inimigo - um inimigo perigoso que lhe conhecia todos os segredos, todos os pecados, até os mais sórdidos e escondidos."


Erico Verissimo, no livro "Olhai os lírios do campo"

domingo, 20 de maio de 2012

Repenso (II)




Canto II



Há como dar novos passos
em velhos caminhos?
E esses passos,
mudariam o fim do trajeto?


A certeza mora no impossível.
A perfeição também.
Mas faz bem sonhá-las às vezes.
Olhá-las de longe e desejá-las.
E viver não é fazê-lo?


Que o toque seja novo,
mesmo sendo velhos o instrumento,
o instrumentista e a música.
Que se renove a brisa da manhã,
mesmo que na mesma janela de sempre.
Que seja novo o cheiro
mesmo sendo o mesmo jardim,
com as mesmas flores
e o mesmo jardineiro.


- Que seja novo o verso,
mesmo sendo o mesmo poeta,
as mesmas palavras,
as mesmas mortas pontuações
na mesma folha amarelada.
Então, que seja vivo o leitor.


Pois só ele pode enveredar 
pelas trilhas sugeridas,
pelos campos descampados,
pelos horizontes intermináveis
e cair no mais solitários buracos
cavados na alma do poeta
- e lá dormir por alguns versos soltos.


Raul Cézar de Albuquerque
20/05/2012

Respingos de Genialidade #18



"Que nada nos limite, que nada nos defina, que nada nos sujeite. Que a liberdade seja nossa própria substância, já que viver é ser livre. Porque alguém disse e eu concordo, que o tempo cura, que a mágoa passa, que decepção não mata, e que a vida sempre, sempre continua."


Simone de Beauvoir

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Onde estará Guilhermina? (de Pablo Neruda)



Onde estará Guilhermina?


Quando minha irmã a convidou
e eu saí para abrir-lhe a porta,
entrou o sol, entraram as estrelas,
entraram duas tranças de trigo
e dois olhos intermináveis.


Eu tinha quatorze anos
e era orgulhosamente escuro,
magro, firme e franzino,
funeral e cerimonioso:
eu vivia com as aranhas,
umedecido pelo bosque,
conheciam-me os besouros
e as abelhas tricolores,
eu dormia com as perdizes
submergido na hortelã.


Então entrou Guilhermina
com dois relâmpagos azuis
que me atravessaram o cabelo
e me cravaram como espadas
contra os muros do inverno.
Isto aconteceu em Temuco.
Lá, ao Sul, na fronteira.


Passaram lentos os anos
pisando como elefantes,
latindo como raposas loucas,
passaram impuros os anos
crescentes, desgastados, mortos,
e eu andei de nuvem em nuvem,
de terra em terra, de olho em olho,
enquanto a chuva na fronteira
caía, com a mesma roupa.


Meu coração caminhou
com intransferíveis sapatos,
e digeriu espinhas:
não teve trégua onde esteve:
onde eu peguei me pegaram,
onde me mataram caí
e ressuscitei com leveza,
e logo e logo e logo e logo,
é tão longo contar as coisas.


Não tenho nada a acrescentar.


Vim para viver neste mundo.


Onde estará Guilhermina?




Poema "Dónde estará la Guillermina?" de Pablo Neruda.
Escrito e Publicado em 1958, no livro "Estravagario".
Fielmente traduzido por Raul Cézar de Albuquerque.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Soneto de Ansiedade


Vem! Sem você, o dia tem sessenta horas,
e fica assim: seco, triste e vazio.
Sem você, o toque da noite é frio
e meu sono simplesmente evapora.

Sem você, a noite é chata e real,
o sonho é som e escuridão sem fim.
Transtornado por você estar sem mim
e eu, solto, sedento, pré-surreal.

Não me deixes rastejar ansioso,
ansiando sempre por tua vinda onírica.
Não me deixes novamente choroso.

Sabes onde estou. Espero-te aqui.
Sem pressa, sê tranquila. Apressa-te!
Estou esperando - sabes, anseio por ti.

Raul Cézar  de  Albuquerque
16/05/2012
Dedicado a Minha Exclamação

Morre Carlos Fuentes

Carlos Fuentes, grande nome da literatura mexicana, nascido no Panamá

Morreu nesta terça-feira (15/05), um dos maiores nomes da literatura latinoamericana - posto ao lado de grandes como Vargas Llosa e García Márquez, com os quais ele manteve laços bem próximos.
Nascido em 11 de novembro de 1928, na Cidade do Panamá, foi diplomata, crítico e romancista. Com seu intenso experimentalismo narrativo, disse uma vez que "a novela perfeita rechaçaria o leitor". Tem um papel ímpar como desenhista da cultura mexicana nos campos político, social, psicológico e até mítico.
Seus romances retratam personagens estagnados pela sociedade - vivem uma morte social. Seu experimentalismo alcança o auge qualitativo em "A morte de Artemio Cruz" (1962), onde uma alucinação no leito de morte é narrada em três vozes, três "eus" que só se unem na hora da morte.
Socialista fiel, Carlos defendia o regime cubano e era feroz crítico do governo americano - o que fica claro no ensaio "Contra Bush" (2004). 
Fuentes foi muito digno do Nobel de Literatura, mas - como tantos - não teve tempo de ser homenageado pela Academia Sueca. Vale nota o fato de Vargas Llosa - concorrente continental pela honraria - recebeu o Nobel no ano de 2010. Seria sua chance de ganhar, dado o revesamento de ganhadores entre culturas e continentes, mas assim quis a História - e a Academia Sueca. 
É com profundo pesar que dizemos que morreu Carlos Fuentes - ele e seus muitos "eus" perpetuaram-se na literatura, pois, como dizia friamente Flaubert, "a obra importa, o homem não importa."

"O romance indica que estamos nos transformando. Não há solução. Não há última palavra"  - Carlos Fuentes

Vargas Llosa, Carlos Fuentes e García Márquez

domingo, 13 de maio de 2012

Ao Luar (de Augusto dos Anjos)



Augusto dos Anjos

Indubitavelmente, um dos maiores nomes da nossa poesia. O instinto modernista do paraibano Augusto dos Anjos fez dele alguém supra-acadêmico, um ápice qualitativo entre o simbolismo e modernismo. Com seu lirismo negro, ele encantou-nos falando de morte, doença e efemeridade. Fazendo uso de termos científicos, ele refinou sua poesia e destacou-se dos contemporâneos. Viva a poesia de Augusto dos Anjos!

Ao Luar
Quando, à noite, o Infinito se levanta
A luz do luar, pelos caminhos quedos
Minha táctil intensidade é tanta
Que eu sinto a alma do Cosmos nos meus dedos!

Quebro a custódia dos sentidos tredos
E a minha mão, dona, por fim, de quanta
Grandeza o Orbe estrangula em seus segredos,
Todas as coisas íntimas suplanta!

Penetro, agarro, ausculto, apreendo, invado,
Nos paroxismos da hiperestesia,
O Infinitésimo e o Indeterminado…

Transponho ousadamente o átomo rude
E, transmudado em rutilância fria,
Encho o Espaço com a minha plenitude!

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Prefixos


Odeio prefixos.
Desvirtuadores da palavra.
Morfemas ingratos.


Odeio-os
principalmente
quando fazem-me infeliz.
Odeio-os.
Quando fazem
meus sorrisos desaparecerem.
Quando fazem da 
vida algo incompreensível.
Quando me tentam 
a escrever sobre o indescritível.
Odeio-os.


Odeio os erros recorrentes;
os comentários incoerentes;
os choros incessantes;
os traumas indeléveis;
as falas insondáveis;
os desejos inacessíveis.
Odeio-os.


Uma vez,
eu quisera ser mágico,
poder mudar palavras.
Fazer-me feliz.
Fazer aparecer sorrisos.
Compreender a vida.
Descrever a existência.


Mas,
talvez, eu reincidisse inerrante,
tudo relembrado, tudo intocado,
tudo desacompanhado numa infelicidade.
Ou talvez,
eu incidisse errante,
tudo lembrado, tudo tocado,
tudo acompanhado numa felicidade.


A minha felicidade - longe de qualquer prefixo.


Raul Cézar de Albuquerque
11/05/2012

"Retrato Breve de um Adolescente" de Carlos Pena Filho




Carlos Pena Filho, o poeta do azul, neste poema foi sincero no título, pois é um breve retrato de um adolescente. Fazendo uso de metáforas, o pernambucano, descreve, numa concisa linha do tempo, os anseios, as descobertas, as ansiedades, as realizações e uma certa nostalgia. Genial...

Aos dez anos, tinha apenas

um catecismo discreto
e os olhos presos nas alvas
e nudas formas do teto.
Às vezes, em dias claros,
em tardes de sol concreto
retirava os olhos mudos
das alvas formas do teto,
sonhava tempo e navios,
mas seu sonho predileto
estava nos negros olhos
que habitavam seu afeto
e que ele há tanto buscava
longe das formas do teto.


Um dia, a chuva imprevista

que às vezes cai no verão
dormiu sobre o seu telhado
molhou-lhe a imaginação,
tempo em que foi visitado
seu humilde coração
por Isa, Rosa e uma vaga
Maria da Conceição
e aquele mais do que nunca
herói do sonhar em vão
foi dormir com todas elas
nas curvas da própria mão.


Num dia de aniversário

usou (a primeira vez)
solenes calças compridas,
gravata alegre. Era o mês
em que nos campos mais frios
e em outros campos, talvez,
inauguravam-se as rosas
imitando a quem as fez,
e aquele mais do que nunca
latino por sua têz,
apascentou em silêncio
as coisas que nunca fez.


Depois, a moça morena

que em sua rua morava,
embora sendo tão pouco
para quem tanto aguardava,
mostrou-lhe: o esperar é vão,
E veio o beijo roubado
na penumbra do portão.
Enfim, na noite mais forte
que houvera em todo o verão
ambos foram dormir juntos
aquém das curvas da mão.


Aos dezoito olhou p’ra trás:

perdera-se todo o afeto.
Olhou para a frente e viu
o nada por objeto.
Olhou p’ra cima e sorriu
das alvas formas do teto.


Carlos Pena Filho

terça-feira, 1 de maio de 2012

Grande Sertão: Veredas (capa original)

Antes do nome de publicação, o livro tinha por título "Veredas Mortas". Ainda com subtítulo. Grande escritor - Grande obra - Para grandes leitores...


Um chamado João (de Carlos Drummond de Andrade)



Este é um trecho do poema foi feito por Drummond para homenagear a grandiosidade da obra de João Guimarães Rosa. - (Trecho em fac-símile)