Bem-Vindo ao Estação 018!


Seja bem-vindo ao "Estação 018"! Um blog pouco reticente, mesmo cheio destas reticências que compõem a existência. Que tenta ser poético, literário e revolucionário, mas acaba se rendendo à calmaria de alguns bons versos. Bem-vindo a uma faceta artística do caos... Embarque sem medo e com ânsia: "Estação 018, onde se fala da vida..."

sábado, 31 de março de 2012

Insônia...


Este não é um poema sobre insônia.
Este poema é uma insônia.
A vida é uma insônia.


Aliás,
a vida é a maior das insônias.
É esta resistência em dormir.
Em deixar-se perder nos sonhos.
Entregar-se ao ilógico - ao inconsciente.


Viver é manter os olhos abertos
- mesmo que a visão seja perturbadora -
- pois o dormir é uma perturbação incógnita 
que pode não ser uma pertubação,
mas é uma incógnita, 
por isso nos perturba.


A poesia é um modo de aliviar a insônia.
É experimentar algumas vezes o dormir da existência.
O verso não passa de um cochilo.
O poema é o leve fechar dos olhos 
no meio da noite fria - que quer nos fazer dormir.
E o poeta é o que dorme
por não querer dormir.


Raul Cézar de Albuquerque
31/03/2012

Respingos de Genialidade #8

"As coisas em geral não são tão fáceis de apreender e dizer como normalmente nos querem levar a acreditar; a maioria dos acontecimentos é indizível, realiza-se em um espaço que nunca uma palavra penetrou, e mais indizíveis do que todos os acontecimentos são as obras de arte, existências misteriosas, cuja vida perdura ao lado da nossa, que passa."


Rainer Rilke, em "Cartas a um jovem poeta"

sexta-feira, 30 de março de 2012

Insanidade Emocional


Seguindo novos pedidos tentei escrever sem rimas, agora baseado na poesia do Álvaro de Campos, este seguiu mais o meu estilo, mesmo sem a estrutura de sempre... Gostei da tensão e da loucura meio racional presentes no poema! Fiquem com Insanidade Emocional...


Sim. Eu sou louco.
Cheguei a esta conclusão,
não pelo que tenho feito,
mas pelo que tenho pensado.


Depois de perceber-me em queda
(não em queda livre,
pois liberdade não é algo que vem me acometendo.)
eu vi que não estou preocupado com o fim da queda.


Eu deveria estar assustado
com a ideia de ver-me caindo
e esfarelar-me ao encontrar o assoalho
dissipando-me na forma de mil letras. 
Mas eu tenho pensado que,
pouco antes do toque entre eu e o meu fim,
alguma espécie de antigravidade atuará
e me fará subir a alturas
nunca antes cogitadas, muito menos visitadas.


Por isso permaneço em queda,
para ascender. 
Mas acho não só para isso!
(Há um prazer no cair que o subir não explica
não retrata nem atinge... 
A queda em si, não é queda.
É um período de adaptação 
para que a ascensão não traga efeitos colaterais.
Por isso - acho - que sigo caindo).


Raul Cézar de Albuquerque
30/03/2012

Microconto #2




- Pensando no amor?
- Em qual deles?


"Dúvida" de Raul Cézar de Albuquerque.

domingo, 25 de março de 2012

Respingos de Genialidade #7


 

"O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais, há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que eu nem mesmo compreendo, pois estou longe de ser uma pessimista; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que se não sente bem onde está, que tem saudades... sei lá de quê!"
  Florbela Espanca.

sábado, 24 de março de 2012

Sons de Guerra...

 

No mesmo clima do "Vozes Inexistentes", escrevo um poema sobre guerra e sobre silêncio... gostei muito do poema... Ele fluiu sincero, embora hermético (para mim)... Fiquem com Sons de Guerra:

Urros e explosões.
Balas de canhões.

Muitos gritos de dor.
Armas à todo vapor.

Choro de mulheres e mães.
(Inglesas, russas ou alemãs)

- Geralmente se pensa nisso,
quando se fala de guerra.
Esquece-se de quem foi omisso
e se abre os ouvidos a quem berra.

O problema é que não entendemos
que a guerra não se expressa nos gritos.
A verdade é que não queremos
entender que a guerra inutiliza os ouvidos.

Na guerra, algo só serve para uma função:
ou morrer, ou sumir, ou matar.
Na guerra, não há lógica, catarse ou emoção.
Corações só servem para parar.
Cabeças só servem para rolar.

Na guerra, há barulho, mas é decorativo.
A guerra em si não emite som.
Ela está na inércia das vozes, no uso do curativo
e na distorção do que é bom.

Então, quando houver um bombardeio intenso.
Independente do teu lado,
Lembra-te de que o som da guerra é silêncio.
Por isso permaneço calado.

Raul Cézar de Albuquerque
24/03/2012

sexta-feira, 23 de março de 2012

Respingos de Genialidade #6

 


"Não sou nada.
 Nunca serei nada.
 Não posso querer ser nada.
 À parte disso, tenho em mim todos os sonhos do mundo"
 Fernando Pessoa, sob Álvaro de Campos, em "Tabacaria".

Do berço...

 

Peço desculpas pela escassez de posts nos últimos tempos... Minha vida está muito corrida... Mas, como um bom poeta moderno, eu consigo encontrar tempo pra escrever - nem que seja na escola! Espero que compreendam a ideia do berço...

Eu sempre gostei da ideia do berço.
A madeira bem talhada como envoltório.
Bem diferente deste lugar onde desvaneço.
Este lugar frio e seco - lugar irrisório.

Mas...

Ele havia esperado tanto tempo...
- tanto tempo só para estar ali -
Havia tantos olhares naquele momento,
olhares regados de emoção. Foi o que vi.

Sua pele tão alva e tão lisa...
Sua expressão enigmática - humana.
Era a visão da vida que se realiza.
que se consuma. A vida que emana.

Emana: flui com todo o vigor
que lhe é natural.
Emana: esvai-se no estupor
que faz vida ser normal.

E, naquela visão, misturava-se o começo
com o fim tão previamente predito.
Ali estavam o temor e o apreço.
Estava a vida, a morte, o mito.

Na cena, havia choro - era tanto pranto...
Mas eu não sei de onde vinham os grunhidos.
Não sei se vinham do centro ou do canto,
ou se vinham de mim aqueles úmidos gritos.

Ali, nasciam e morriam muitas dores.
As nossas: as minhas, as deles e as tuas.
Estranhamente, no berço havia flores,
e ele partiu em cortejo pelas ruas.

Raul Cézar de Albuquerque
23/03/2012

domingo, 18 de março de 2012

O Discurso de Charles Chaplin em "O Grande Ditador"



Criando um discurso humanista, Charles Chaplin faz uso até de versículos bíblicos para expor a verdadeira essência humana, esta que não se faz presente em raças ou linhagens, mas em seres  pura e simplesmente humanos... Chaplin refaz o discurso nazista pondo o amor da raça humana pela raça humana acima de qualquer diferença entre raças... Destrói o legado hitlerista e abre caminho para os conceitos pós-modernos de liberdade, igualdade e fraternidade! Genial!


sábado, 17 de março de 2012

Respingos de Genialidade #5

 

"Pretendo descobrir
No último momento
Um tempo que refaz o que desfez,
Que recolhe todo sentimento
E bota no corpo uma outra vez."

   - Chico Buarque, em "Todo o Sentimento"

sexta-feira, 16 de março de 2012

O Inimigo (de Charles Baudelaire)

 

O tempo como inimigo do homem. Baudelaire trará esta imagem no poema abaixo. Indiretamente, ele coloca o homem como inimigo dele mesmo. Permanecendo como uma incógnita a identidade do nosso verdadeiro e mais claro inimigo. 


A mocidade foi-me um temporal bem triste, 
Onde raro brilhou a luz d'um claro dia; 
Tanta chuva caiu, que quase não existe 
Uma flor no jardim da minha fantasia. 

E agora, que alcancei o outono, alquebrantado, 
Que paciente labor não preciso — ai de mim! — 
Se quiser renovar o terreno encharcado, 
Cheio de boqueirões, que é hoje o meu jardim! 

E quem sabe se as flor's ideais que ora cobiço 
Iriam encontrar no chão alagadiço 
O preciso alimento ao seu desabrochar? 

Corre o tempo veloz, num galope desfeito, 
E a Dor, a ingente Dor, que nos corrói o peito, 
Com nosso próprio sangue, a crescer, a medrar! 

"O Inimigo" de Charles Baudelaire.

terça-feira, 13 de março de 2012

Imagem Letrada #20


Rumo à Felicidade...

"Caminhante, não há caminhos.
  Faz-se o caminho ao caminhar." 
     (Antonio Machado)
 

Felicidade, na verdade, é uma cidade.
Felicidade é um lugar disponível aos mortais.
A parte boa é que é um lugar de verdade.
A parte ruim é que é um lugar longe demais.

É longe de Comodismo e de Preocupação.
Uns dez sorrisos após Normalidade.
Para Felicidade, não há trem ou avião.
Há a caminhada. Há caminhos, na realidade.

Há muitos e variados caminhos a seguir.
Mas se queres chegar lá antes de tua morte.
Teu próprio caminho deves abrir.
Seguindo tua cegueira, que é teu norte.

Para de tentar abrir os olhos buscando luz.
Deixa a janela fechada e olha para tua escuridão.
Observa teu tom, teu choro e tua cruz.
Esta que carregas com tanta lentidão.

Leva tudo o que tens e parte pra Felicidade.
Não temas ao encontrar montanhas nem arvoredos.
Segue. Segue sempre pensando naquela cidade.
Onde serão extintos teus fardos e teus medos.
Segue. Segue andando para longe de Austeridade.
Segue, pois lá serão inúteis teus segredos.

Mas se no meio do caminho te desanimares.
Se a chegada não parecer tão especial.
Peço encarecidamente que não pares.
Chegar lá não é capricho, é essencial.
Lembra-te de que lá é tua cidade natal.

Raul Cézar de Albuquerque
13/03/2012

Respingos de Genialidade #4


 

"Nada pode igualar os dias tormentosos 
Em que, sob a pressão de invernos rigorosos, 
O Tédio, fruto infeliz da incuriosidade, 
Alcança as proporções da Imortalidade."

Charles Baudelaire, no poema "Tédio"

domingo, 11 de março de 2012

Ode ao Dia Feliz (de Pablo Neruda)



Desta vez deixa-me
ser feliz,
nada passou a ninguém,
não estou em parte alguma,
acontece somente
que sou feliz
pelos quatro lados 
do coração, andando
dormindo ou escrevendo.
O que vou fazer-te, sou
feliz.
Sou mais inumerável
que o pasto
nas pradarias,
sinto a pele como uma árvore rugosa
e a água abaixo,
os pássaros acima, 
o mar como um anel
em minha cintura,
feita de pão e pedra a terra
o ar canta como um violão.


Tu ao meu lado na areia,
és areia,
tu cantas e és canto,
o mundo
é hoje minha alma,
canto e areia,
o mundo
é hoje tua boca,
deixa-me
em tua boca e na areia
ser feliz,
ser feliz porque sim, porque respiro
e porque tu respiras,
ser feliz porque toco
teu joelho
e é como se tocasse
a pele azul do céu
e seu frescor.


Hoje deixa-me
a mim só
ser feliz,
com todos ou sem todos,
ser feliz
com o pasto
e a areia,
ser feliz
com o ar e a terra, 
ser feliz,
contigo, com tua boca,
ser feliz.


Poema "Oda al día feliz" de Pablo Neruda.
Escrito em 28.11.2012 em Isla Negra.
Publicado em "Odas elementales", em 1954.
Fielmente traduzido por Raul Cézar de Albuquerque.

sábado, 10 de março de 2012

Imagem Letrada #19


Ode à Tristeza (de Pablo Neruda)



Tristeza, escaravelho
de sete patas sujas,
ovo de teia de aranha,
rato descalabrado, 
esqueleto de cadela:
Aqui não entras.
Não passas.
Anda-te.
Volta
ao Sul com teus guarda-chuvas,
volta
ao Norte com teus dentes de cobra.
Aqui vive um poeta.
A tristeza não pode
entrar por estas portas.
Pelas janelas
entra o ar do mundo,
as vermelhas rosas novas,
as bandeiras bordadas
do povo e de suas vitórias.
Não podes.
Aqui não entras.
Sacode
tuas asas de morcego,
eu pisarei as penas
que caem de teu manto,
eu varrerei os pedaços
de teu cadáver para
os quatro cantos do vento,
eu te torcerei o pescoço,
te costurarei os olhos,
te cortarei a mortalha
e enterrarei teus ossos roedores
debaixo da primavera de uma macieira.




Poema "Oda a la Tristeza", de Pablo Neruda. 
Escrito em 29.12.1952, num avião sobrevoando o Brasil. 
Publicado no livro "Odas Elementales" no ano de 1954.
Fielmente traduzido por Raul Cézar de Albuquerque.

Respingos de Genialidade #3



"A felicidade é um problema individual. Aqui, nenhum conselho é válido. Cada um deve procurar, por si, tornar-se feliz."


Sigmund Freud

Respingos de Genialidade #2


"Que há que n'alma me tem posto
 um não sei quê, que nasce não sei onde,
 vem não sei como, e dói não sei por que."


Luís Vaz de Camões

sexta-feira, 9 de março de 2012

Microconto #1



"A terra bate na madeira. - Já foi tarde."
           Alan Djayce

Respingos de Genialidade #1


"[...] reconhecendo, como se estivesse em um sonho, as casas de um ou dois andares, com cercas e jardins, varandas abertas e garagens, que despertam nela um sentimento familiar, aquelas imagens preservadas, deterioradas, ligeiramente desbotadas, lascadas, enfeadas com acréscimos e colagens, quartinhos construídos nos terraços, agregados nas laterais, ou no meio dos jardins, para alojar os descendentes que se casam e não podem morar sozinhos e vêm somar às famílias, exigindo mais espaço. Passa por lavanderias, farmácias, floriculturas, bares, placas de dentistas, médicos, contadores e advogados."


Trecho do primeiro capítulo de "A Festa do Bode" de Mario Vargas Llosa, Nobel de Literatura de 2010.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Procura-se...


"Procura-se o que eu já fui um dia.
Perdido há algum tempo e em algum lugar."
Uma frase dotada de subjetividade arredia.
Uma boa frase para resumir o que quero achar.

Eu quero me achar.
Não este eu sério, sujo e fechado.
Eu quero regressar.
Eu quero resgatar o que foi deixado.

Um dia desses fui procurar-me no espelho.
Previsivelmente, não me achei.
Previsivelmente, não fiquei vermelho.
Previsivelmente... eu não sei.

Eu não sei onde encontrar-me.
Mas sei que quero achar este "eu-perdido".
Mesmo sem certeza, quero reformular-me.
Quero restaurar o altar caído.

Altar? Sim, o altar violado pela hipocrisia.
Depredado pela depressão.
O altar escondido pela poesia.
Destruído pela razão.

"Procura-se um sorriso infalível."
"Procura-se algo para dizer"
"Procura-se um sonho impossível."
"Procura-se uma razão para viver."



[Recompensa? Eu não tenho nada valioso.
Não tenho nada de muito importante.
Posso dar-te um coração ansioso.
Posso dar-te um coração palpitante.]

Raul Cézar de Albuquerque
07/03/2012

Fúria...



Depois de exigências internas, externas e eternas, decidi escrever sem o advento das rimas. Tentar algo branco foi quase um ato suicida pra mim, que sempre escrevi num estilo semiacadêmico (nada modernista)... Mas decidi fazê-lo como desafio a mim mesmo... Fiquem com Fúria...


Você foi cruel. 
Cada sorriso seu, cada olhar singelo, cada silêncio prolongado, cada ato seu foi um ato da mais vil e seca crueldade.
Você foi cruel quando me fez feliz.
Agora eu me odeio por não poder ignorar tua existência nem poder rejeitar tua presença.
Odeio-te por não poder controlar os meus suspiros quando te vejo ao longe.
Odeio-te por soltar um riso irracional toda vez que te encontro.
Odeio-te por querer ligar para ti quando me sinto só.
Odeio-te.
As coisas estão confusas. Já não sei se te odeio ou se me odeio.
Se te odeio por me marcares, me tocares, me mudares, me ressuscitares. Se me odeio por me deixar tocar, marcar, por deixar você me ressuscitar.
Acho que odeio-te. Odeio-te. Porquê? Odeio-te porque te amo. Acho que é isso.

Raul Cézar de Albuquerque 
(com medo da repercussão)
07/02/2012

sábado, 3 de março de 2012

Entender é Limitado (de Clarice Lispector)




Clarice Lispector foi classificada como hermética pela crítica. Mas, para ela, o mundo era hermético, e, ao tentar descrever este mundo, ela inevitavelmente foi hermética. A compreensão da obra de Clarice não depende de um conhecimento literário prévio, pelo contrário, quanto menos se souber, melhor. Pois há mais espaço para ser preenchido pelo entendimento do não entender.

"Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender.Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo."

sexta-feira, 2 de março de 2012

SAÍDA


A ideia do corredor me surgiu numa reportagem sobre o precário atendimento em hospitais (bla-bla-bla), mas a ideia do corredor me fascinou. Ele era o caminho entre o sofrimento interno (dentro do hospital) para a felicidade plena (a porta "Saída")... Fiquem com a Saída...

O corredor está muito movimentado.
Muitas pessoas esbarram em mim.
E eu já estou ficando bem cansado,
estou pensando em sair, simples assim.

Nem tão simples pra falar a verdade.
Eu vejo uma porta ao fim do corredor.
Mas seria ela a porta pra felicidade?
Ou, indo até lá, estaria correndo para a dor?

E eu estou buscando um alívio, um alento.
Estou tentando me livrar desta dor de existir.
Esta dor que me importuna a todo momento.
Esta dor que me impede de rir, me faz fingir.

Faz-me fingir a minha existência.
E a existência da minha felicidade.
Faz-me esconder a latência 
desta dor que, sem dúvida, é de verdade.

Lembrando da dor, sigo até a porta.
Sigo com dificuldade notável.
Em cada olhar, uma expressão morta.
Em minha vida, um vazio inefável.

E cada passo é um sofrimento.
Mas continuo caminhando sem medo.
Surge uma lágrima a cada pensamento.
Eu desconheço o meu segredo.

Enxugo os olhos rapidamente. Não posso parar.
Ao chegar perto da porta, leio nela "Saída".
Esboço um sorriso, mas, logo ao pensar,
lembro-me de que pode ser só mais uma ferida.
Mas inexplicavelmente não paro de caminhar.
Eu explico: Poderia ser uma nova vida.

Raul Cézar de Albuquerque
02/03/2012

A Incapacidade De Ser Verdadeiro...





Pondo a poesia ao lado da loucura, Carlos Drummond de Andrade traz a mais bela expressão do que é ser poeta. Ser poeta, segundo o texto a seguir, é, não só ter devaneios, mas acreditar neles, vivê-los em algum ponto desconhecido da alma, construí-los em algum local esquecido do cérebro humano. Poetas são incompreendidos, loucos varridos, portadores de sonhos soltos. Poetas são poetas!


Paulo tinha fama de mentiroso. Um dia chegou em casa dizendo que vira no campo dois dragões da independência cuspindo fogo e lendo fotonovelas.
A mãe botou-o de castigo, mas na semana seguinte ele veio contando que caíra no pátio da escola um pedaço de lua, todo cheio de buraquinhos, feito queijo, e ele provou e tinha gosto de queijo.
Desta vez Paulo não só ficou sem sobremesa, como foi proibido de jogar futebol durante quinze dias. Quando o menino voltou falando que todas as borboletas da terra passaram pela chácara de Siá Elpídia e queriam formar um tapete voador para transportá-lo ao sétimo céu, a mãe decidiu levá-lo ao médico.
Após o exame, o Dr. Epaminondas abanou a cabeça:

— Não há nada a fazer, Dona Coló. Esse menino é mesmo um caso de poesia.