O conde Leon Tolstói é um dos meus
preferidos no campo da literatura, o meu preferido na literatura russa e seu
livro “A morte de Ivan Ilitch” é o meu preferido em qualquer ramo considerado
na literatura universal.
A afirmação
supracitada é minha, toda minha. Há muito tempo venho procurando o meu livro
preferido e, finalmente, o encontrei. O livro me prendeu de uma forma que o li
em um dia e meio [e, se não fosse a minha proposta das férias, eu o teria lido
novamente].
A crítica segue:
O livro começa
pelo final [inovação se considerarmos seu
lançamento em 1886]. No começo já temos a sentença que rege a história e
determina o fim da novela.
“É com profundo pesar que Praskovya
Fiodorovna participa a amigos e parentes a passagem de seu estimado esposo,
Ivan Ilitch Golovin, membro da Corte Suprema, que deixou esta vida no dia 04 de fevereiro do ano da graça de 1882. O
enterro acontecerá na sexta-feira, à uma hora da tarde” Pág. 05
Tolstói faz
questão de dedicar uma longa parte da obra para nos ajudar a compreender Ivan
Ilitch. Algo que demonstra intensa e perfeita profundidade psicológica.
“Ivan Ilitch era le phenix de la famille [...] Nem tão frio e formal quanto o irmão
mais velho, nem tão rebelde quanto o mais jovem, era um simpático meio-termo
entre os dois – um homem inteligente, educado, bem-disposto e agradável.” Pág.
20
As relações de
Ivan são muito dissecadas e as análises de Tolstói chegam a ser risíveis por
causa da simplicidade com que toma tais assuntos. A relação de Ivan com a
família é destacada superficialmente, mas sua relação consigo próprio, com a
mulher, com os filhos e com os amigos é muito explorada.
“[...] Perguntou-se: ‘Afinal de contas, por
que não casar?’ Praskovya Fiodorovna vinha de boa família, não era nada feia e
tinha algumas posses. [...] E foi assim que Ivan Ilitch casou-se” Pág. 26
O que Ilitch
não esperava era que sua família fosse trazer problemas sérios e constantes
para a sua vida. A esposa, antes perfeita, tornara-se controladora e exigente,
ou seja, carente demais. Ivan vê-se numa situação desconfortável, mas já sabe o
que fazer para sair dela.
“O nascimento da criança, as tentativas
fracassadas de amamentá-lo e as várias doenças, reais e imaginárias, que
acometeram mãe e filho, nas quais a ajuda de Ivan Ilitch era cobrada, mas sobre
as quais ele não entendia nada, tudo isso contribuiu para se tornar mais
urgente para ele a construção de um muro que o isolasse da vida familiar” Pág.
28
A vida
superficial e vazia de Ivan é destrinchada e criticada, simultaneamente, mas
com tom de felicitação irônica por ter alcançado este tipo de vida. Muitas
vezes comparado a um ator, ele configura-se ao mesmo tempo como artista da
palavra e falso vivente.
“Mas onde cessassem as relações oficiais,
cessava também qualquer forma de contato. [...] Ivan Ilitch fazia tudo isso não
apenas com leveza, prazer e perfeição, mas como quem realiza um trabalho
artístico.” Pág. 41
Mas a vida
semi-humana do próprio Ivan Ilitch vê-se abalada por uma situação bem humana,
uma doença. Seu processo de humanização é descrito magistralmente por Tolstói.
Começa por algo bem humano, nada mais humano que a dúvida.
“Nós, os doentes, sem dúvida fazemos muitas
perguntas inadequadas. Mas diga-me, de modo geral, assim por cima, esses
sintomas lhe parecem graves ou não?” Pág. 48
Depois da
dúvida não respondida, o processo continua e Ivan é tomado pelo desespero. O
desespero que é um mix de silêncio de todo mundo com uma gritaria interna, lá
na alma.
“Seu coração se apertou, sua cabeça girou.
‘Oh, meu Deus! Oh, meu Deus!’” Pág. 60
Depois da
dúvida e do desespero, emerge na alma do próprio Ivan o maior indício da sua
humanidade, o medo da morte. Vendo-se tão humano ele vê-se como mortal, e um
mortal próximo de seu destino final.
“Ele então ia para seus aposentos,
deitava-se e outra vez ficava a sós com ela
[a morte]. Cara a cara com ela. E
não havia nada que ele pudesse fazer com ela,
a não ser olhar e estremecer.” Pág. 67
O fim
inevitável e a situação indigesta confluem para um ponto nítido e claro. Embora
seja pesada, a verdade é muita presente.
“[Tudo] concentrava-se em um único ponto:
saber quando ele afinal partiria e libertaria finalmente os vivos do
constrangimento de sua presença e a si próprio de seu sofrimento.” Pág. 68
Nesse processo
de humanizar-se, Ivan prossegue como humano, e, como todo humano, ele percebe
que precisa das outras pessoas. No meio da hipocrisia e das falsas
demonstrações de sofrimento, Ivan Ilitch encontra um apoio sincero e permanente
no seu empregado Gerassim. Se fosse num
livro de Wilde, eu acharia estranho, mas como é Tolstói, russo de verdade, acho
que era só amizade.
“Gerassim fazia tudo calmamente de boa
vontade, com simplicidade e uma boa vontade que comoviam Ivan Ilitch. Nas
outras pessoas, saúde, força e vitalidade ofendiam-no, mas a força e a
vitalidade de Gerassim, ao contrário de aborrecê-lo, transmitiam-lhe calma.”
Pág. 72
Chegando ao
auge da sua humanização, depois de sentir dúvida, desespero e solidão interna e
externa, Ivan começa a dirigir-se a Deus. Bem humano este Ivan, não é?
“Por que o Senhor fez isso comigo? Por que
me fez chegar até esse ponto? Por quê? Por que torturar-me tão horrivelmente?”
Pág. 87
O fim estando
próximo, Ivan começa a lembrar-se do início. Com tom de nostalgia e chega a uma
conclusão: “Assim como a dor piora cada
vez mais, minha vida toda foi progressivamente piorando.” Mas Tolstói põe
sua opinião sutilmente com seu tom de nota de rodapé.
“A vida, uma série de sofrimentos cada vez
maiores, acelera rapidamente para o final e este final é o sofrimento mais
terrível.” Pág. 93
Ilitch começa
a entender o que se passa ao seu redor e começa a revoltar-se no fim de sua
vida. Algo pouco entendível para quem sempre conviveu com o Ivan semi-humano.
“Era verdade, disse o médico, que a dor de
Ivan Ilitch era terrível, mas, pior do que ela, eram seus sofrimentos mentais,
sua pior tortura.” Pág. 95
Ivan tem medo
do seu futuro fim, mas tem um medo gritante de seu passado frio, oficial,
calado, formal.
“[Ivan pensou] ’E se na verdade toda a
minha vida tiver sido errada?” Pág. 95
Quando a morte
chega para Ivan, não há desespero nem medo. Apenas há a morte, ela por si
própria, com seu manto apassivador.
“’A morte está acabada’ disse para si
mesmo. ‘Não existe mais. ’ Respirou profundamente, parou no meio de um suspiro,
esticou o corpo e morreu” Pág. 101
Um livro curto
e conciso sem deixar de ser complexo.
me ajudou bastante, obrigada
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