foi achado ontem
o corpo do sacerdote
jogado no centro
do templo
suicídio certamente
a mão ensaguentada
segurando a faca
que traspassa a garganta
não deixa dúvidas
depois de anos
de sacerdócio silencioso
e solitário,
o homem sucumbiu
quatro paredes
de isolamento acústico
e mórbido concreto
coroadas com uma porta
que ninguém abre
o senhor barbudo
e cuja voz ninguém nunca havia ouvido
dedicara toda sua vida
- e toda sua morte -
àquele templo e a seu deus
o senhor cuja voz ninguém nunca havia ouvido
era uma lenda
construíra o templo
e entrara lá há muitos anos
ninguém sabia se vivo estava
nada via ou ouvia
que viesse do templo
sempre fechado
o hermético templo
era lenda
monumento
sinal dos tempos
relíquia
dúvida
mas numa tarde qualquer
em que o vento monologava
ouviu-se um grito
ouviu-se um grito
e a porta do templo
entreabriu-se
todo o povo saiu e ficou à porta do edifício
todos tinham medo
todos tinham dúvidas
até que alguém empurrou a porta
e todos viram
o velho sacerdote
caído no no centro
do templo
suicídio certamente
o templo
tão idealizado
tinha poucos detalhes por dentro
mais parecia um galpão
lá o velho sacerdote
passara seus anos
dedicando vida
tempo e voz
ao seu deus
com o grito antes da morte
ele quebrara o sacerdócio
retiraram o corpo
e decretaram o lugar como amaldiçoado
selaram a porta
e assim
o silêncio
rei e deus
voltava a ser
soberano
naquelas quatro paredes
que guardavam o chão ensanguentado
e a lembrança de um grito
Raul Albuquerque
20/09/2013
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