Bem-Vindo ao Estação 018!


Seja bem-vindo ao "Estação 018"! Um blog pouco reticente, mesmo cheio destas reticências que compõem a existência. Que tenta ser poético, literário e revolucionário, mas acaba se rendendo à calmaria de alguns bons versos. Bem-vindo a uma faceta artística do caos... Embarque sem medo e com ânsia: "Estação 018, onde se fala da vida..."

quarta-feira, 25 de julho de 2012

O Poeta e o Albatroz (a partir de Baudelaire)

 
"O Poeta se compara ao príncipe das alturas/ que enfrenta os vendavais e ri da seta no ar;/ exilado no chão, em meio à turba obscura,/ as asas de gigante impedem-no de andar." (Poema "L'albatros", ou "O albatroz")

Sem deixar o cenário baudelairiano, decidi falar um pouco sobre esse trecho do poema II do livro "As Flores do Mal". 

Primeiro, uma pergunta: Como Baudelaire acha essas imagens?
- Como diria o grande Patativa do Assaré: "Pra gente aqui sê poeta/ E fazê rima compreta,/ Não precisa professô;/ Basta vê no mês de maio,/ Um poema em cada gaio/ E um verso em cada fulô."

Depois, uma reflexão: Ele está certo. Assim como as asas do albatroz ajudam-no a voar, mas não o deixam andar, o que faz o poeta ser poeta ajuda-o a alcançar as alturas da escrita, mas atrapalha-o na vida comum. Baudelaire sabe bem disso, como muitos, foi um gênio incompreendido - e pior, censurado.

Provocação baudelairiana


Ainda no clima poético de "Les Fleurs du Mal", decidi comentar o trecho final de um poema do livro que me fez rir (e pensar).
"Sem dúvidas, Senhor, jamais o homem vos dera/ testemunho melhor de sua dignidade/ do que esse atroz soluço que erra de era em era/ e vem morrer aos pés da vossa eternidade." (Poema "Les fhares", ou "Os faróis")
Com ironia fina e sutil, Baudelaire debocha dos puritanos leitores de poemas mornamente parnasianos. "Les phares" é o sexto poema do livro e é mais um "banho de água fria" (ou quente) no leitor.
Os versos são um convite à reflexão: "Há dignidade em, após inúmeros erros, redimir-se?" - (essa fica para vocês!)
O gancho religioso é proposital e debochado. Baudelaire já teve sua poesia classificada como "satanismo cristão", o que não passa de infantilidade soberba, já que os jogos duais de Baudelaire entre Deus e o Diabo são para evidenciar a situação complicada de ser humano.
A poesia de Baudelaire é, em grande parte das vezes, uma - complexa e debochada -provocação.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Um convite indiscreto a "As Flores do Mal"


O livro é, sem dúvida, um marco inicial para o que chamamos de Poesia Moderna. Charles Baudelaire é um dos grandes nomes da poesia universal.
"As Flores do Mal" (originalmente, Les Fleurs du Mal) é uma obra que surpreende pelo caráter revolucionário e confrontador. Lançado em 1857, ele teve seis de seus poemas censurados - o que Baudelaire contornou criando outros seis "mais belos que os suprimidos", segundo ele mesmo.
Mas o propósito do post não é falar do livro, mas do texto que abre o livro: "Ao Leitor" (Au Lecteur) que inicia-se assim:
A estupidez, o erro, o pecado, a mesquinhez/ habitam nosso espírito e o corpo viciam/ e os adoráveis remorsos sempre nos saciam [...]
A frase é própria de Baudelaire e caracteriza-se como uma preparação para o que o leitor encontrará nas páginas seguintes. Ele não poupa exemplos repugnantes para apresentar a decadência humana (algo perto do conceito de "depravação total", pregado por Calvino).
Longe do puritanismo, o poeta deve representar, segundo Charles, a sincera condição humana e conclui ao fim do poema:
No lamaçal de nossos vícios imortais,/ um há mais feio, mais iníquo, mais imundo!/[...]/ É o Tédio! - o olhar esquivo à mínima emoção,/ [...]/ - Hipócrita leitor, meu igual, meu irmão!
Baudelaire acerta ao colocar que, para entender-se poesia, é necessário sair da situação cômoda de puro espectador e vislumbrar cada imagem desenhada pelas palavras impuras do Poeta (pois Baudelaire faz questão de tratar o Poeta como substantivo próprio).

sábado, 21 de julho de 2012

Uma Espetacular "Meia-Noite em Paris"


A correria do cotidiano priva-nos de muitas coisas incríveis e as férias trazem-nos boas surpresas. Falo isso por experiência própria.
Quando "Meia-noite em Paris" entrou nos cinemas, eu estava em plena semana de provas e não pude ir assistir - mas não sofri com isso. Passaram-se muitos meses (creio que mais de um ano)...
Ontem, fui à locadora e encontrei por graça da existência o DVD do filme. Fui correndo para casa para assistir... É incrível!

Toda pessoa que produz arte sai do filme com certeza de que sua desconformidade lhe faz bem. Com um gancho fantasioso - o sonho de todo amante de arte -, Gil (Owen Wilson) entende, através do novo cenário - formado pelo ar artístico de Paris da década de 20 -, que para fazer arte deve-se vivê-la.
Numa narrativa bem construída, em que aparecem Picasso, Cocteau, Stein, Hemingway, Gauguin, Degas e muitos outros gênios que viveram em Paris, Woody Alen discursa sutilmente sobre ser artista.
Ser artista é acreditar nas próprias loucuras e nas próprias obras. Longe da superficialidade, o humor do filme não é fácil e a mensagem não é comum. 

Nunca foi tão incrível ouvir a arte falar sobre arte de modo tão próximo dos artistas... famosos ou não. 

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Restos


Restos de um espelho mudo
têm pouco - ou nada - a mostrar.
Os que, um dia, refletiam tudo
ficam opacos e param de brilhar.

Vitrais quebrados resultam em nada
e geram cortes - superficiais ou profundos.
Sei disso, mas sigo jogando pedras da sacada
para que elas acabem unindo estes mundos
- o meu, o teu e o arruinado pela granada,
a granada da certeza que mora no poço sem fundo.

Grãos de militância vã
dissolvem-se na realidade
- e no prazer da manhã
que exibe beleza sem vaidade.

Cacos de sono espalham-se
num chão de cobranças e delírios,
enquanto os ventos calam-se
na noite sem cores nem colírios.

Cansados de esperar o sono vir,
garotos gritam seus desejos,
ousam usar seus sonhos para cair,
cair de uma vez em seus lampejos.

Homens gritam as suas vergonhas
e declamam suas rimas incompletas.
Eles sonham com o que tu sonhas
Deixe. Deixe-os, eles são poetas.

Raul Cézar de Albuquerque
16/07/2012

sábado, 14 de julho de 2012

De Olho na Obra: O Pensador (de Auguste Rodin)



"O Pensador" de Auguste Rodin

A obra acima é uma das esculturas mais conhecidas do mundo e uma das mais louvadas de todos os tempos. Marco da escultura impressionista, "O Pensador" é uma obra inigualável e o próprio Rodin reconhecia isso. Foi esculpida em bronze entre 1880 e 1881.
Vamos ao De Olho Na Obra:

1 - O contexto de criação: A obra foi encomendada a Rodin como parte de uma grande exposição de inauguração de um museu de Paris, mas o museu nunca foi construído e "O pensador" ficou famoso isoladamente. O projeto da exposição era uma referência ao livro "A Divina Comédia", de Dante Aliguieri, e "O pensador" originalmente seria o próprio Dante observando o Inferno.

2 - O nome: "O Pensador" nem de longe é o nome oficial da obra. Originalmente, ela não tinha nome por pertencer a um conjunto conceitual. Com a não inauguração do museu, Rodin expôs a obra individualmente em 1888 com o título de "O Poeta". O nome "O Pensador" veio com os comentários e as críticas que destacavam o "pensar com todo o corpo" que havia na escultura.

3 - A obra por Rodin: Certa vez, Rodin falou sobre a obra, dizendo que "ele não pensa só com o cérebro, a testa franzida, as narinas distendidas e os lábios comprimidos, mas com todos os músculos dos braços, das costas e das pernas, os punhos fechados e os dedos contraídos."

4 - O queixo sobre a mão: Imagem eternizada, a cabeça apoiada na mão tornou-se um símbolo internacional e já inconsciente de reflexão e/ou pensamento profundo. A feição fixa e rígida também ajuda no desenho de uma alma pensativa.

5 - O braço contraposto: Na obra, Rodin põe o braço direito sobre o joelho esquerdo, uma clara referência a Michelangelo. Tal contraposição ainda ajuda a expor os contornos do "Pensador" que destacam-se nas costas criando uma ideia constante de luz e sombra.

* Espero que tenham gostado de mais um De Olho na Obra e que tenham aprendido algo... Afinal, viver é aprender, não é?!

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Casa (de Pablo Neruda)


Hoje, 12 de junho de 2012, completam-se 108 anos do nascimento deste que nunca será esquecido nem igualado: Pablo Neruda. Admiro Neruda como admiro pouquíssimos poetas, o chileno tem coisas indescritíveis em sua poesia. Para mim, ler Neruda é um momento de encontro com os eus que ele conseguiu descrever com perfeição. Em homenagem ao gênio Neruda...

Talvez esta é a casa em que vivi,
quando eu não existi nem havia terra,
quando tudo era lua ou pedra ou sombra,
quando a luz imóvel não nascia.
Talvez então esta pedra era 
minha casa, minhas janelas ou meus olhos.
Lembra-me esta rosa de granito
algo que me habitava ou que habitei,
cova ou cabeça cósmica de sonhos,
taça ou castelo ou navio ou nascimento.
Toco o firme esforço da rocha,
seu baluarte golpeado pela salmoura,
e sei que aqui ficaram brechas minhas,
enrugadas substâncias que subiram
desde as profundezas até minha alma,
e pedra fui, pedra serei, por isso
toco esta pedra e para mim não morreu:
é o que fui, o que serei, repouso
de um combate tão longo quanto o tempo

Poema "Casa", escrito por Pablo Neruda.
Publicado no jornal "El Nacional" em 29.05.1960.
Traduzido fielmente por Raul Cézar de Albuquerque.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

De olho na Obra: Les Demoiselles d'Avignon (Pablo Picasso)




A obra acima é certamente a face mais conhecida do Cubismo. Ela destaca-se por colocar um tema clássico por excelência, o nu feminino, em novos moldes - no caso, os moldes cubistas. Pablo Picasso pintou Les Demoiselles d'Avignon em 1907 e, por muito tempo, esse foi seu quadro mais louvado. 
Mas... a proposta do De Olho na Obra é ver o que ninguém vê nas telas, nos poemas e nas esculturas:

1 - O nome: Alguns anos após a exposição de Les Demoiselles, Picasso disse que o nome da obra nunca fora aquele, mas que ele havia dado à pintura o nome Le Bordel d'Avignon (em referência à casa de má fama que se localizava na rua Avignon, em Barcelona).

2 - A moça provocativa: Há um destaque sensual natural à moça que parece retirar o lençol de sua coxas para revelar-se inteiramente. E o mesmo lençol serve espaço para Picasso fortalecer o caráter cubista da obra, já que o lençol parece papel de tão delineado.

3 - A máscara cinzenta: A prostituta do canto superior direito do quadro está puxando as cortinas - seria um convite? - e possui uma máscara angulosa, bélica e cinzenta. A máscara é uma clara inserção dos conceitos tribais africanos de arte e revela o caráter "guerreiro" das moças do bordel da rua Avignon. 

4 - A mulher musculosa: No canto superior esquerdo do quadro, há uma mulher com rosto cinzento e tão impassível que chega a ser canino. Ela é claramente musculosa e destaca-se das outras por causa disso. Outro aspecto que merece nota é o fato de ela estar puxando o outro lado da cortina, uma cortina vermelha - outro convite sutil que a obra contém.

5 - A figura de costas: É inevitável perceber o trabalho em torno da moça do canto inferior direito da obra. Seu torso está claramente costas, mas seu rosto não só olha para o espectador como também confronta-o. Suas pernas abertas são referência a um possível  erotismo - que não existe graças a seu rosto belicoso e disforme.

6 - A recepção da obra: Na primeira exposição, a obra não foi comprada. Leo Stein, um de seus clientes mais fiéis, sugeriu que Picasso estivesse louco. Kahnweiler, marchand conceituadíssimo, disse ao próprio Picasso que o quadro estava inacabado. Henri Matisse, grande nome da pintura fauvista, disse que, ao ver a obra, sentia-se como se tivesse bebido gasolina. Pois bem, a obra só veio a ser vendida dezessete anos depois.

* Espero que tenham gostado da estreia oficial do "De Olho na Obra" - A ideia de criar a série veio do sucesso do post "Davi de Michelangelo"

sexta-feira, 6 de julho de 2012

"De longe te hei-de amar" (de Cecília Meireles)



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Entre a musicalidade simbolista e a liberdade modernista, Cecília Meireles surge com sua marca poética na segunda geração do Modernismo Brasileiro. Sua (aparente) simplicidade encanta qualquer que lê seus textos. Entre o tratado filosófico e a carta de amor, Cecília encontra seu lugar confortável para escrever. Os termos por vezes rebuscados contrastam com a beleza do simples e do comum. Quase inclassificável, ela conseguiu ser puramente poetisa longe de escolas e de tendências... De longe te hei-de amar:



De longe te hei-de amar 
- da tranquila distância 
em que o amor é saudade 
e o desejo, constância. 

Do divino lugar 
onde o bem da existência 
é ser eternidade 
e parecer ausência. 

Quem precisa explicar 
o momento e a fragrância 
da Rosa, que persuade 
sem nenhuma arrogância? 

E, no fundo do mar, 
a Estrela, sem violência, 
cumpre a sua verdade, 
alheia à transparência. 

Cecília Meireles, em 'Canções'

domingo, 1 de julho de 2012

"Testamento de Otoño" (de Pablo Neruda)


- Trecho Final -


De tantas vezes que nasci
tenho uma experiência salobre
como criatura do mar
com celestiais atavismos
e com destino terrestre.
Enquanto se resolvem as coisas
aqui deixei meu testemunho,
meu navegante estravagario
para que lendo-o muito
ninguém pudesse aprender nada,
mas o movimento pertétuo
de um homem claro e confundido,
de um homem chuvoso e alegre,
enérgico e outonal.


E, agora, atrás desta folha
me vou e não desapareço:
darei um salto na transparência
como um nadador do céu,
e logo voltarei a crescer
até ser tão pequeno um dia
que o vento me levará
e não saberei como me chamo
e não serei tão desperto:


Então, cantarei em silêncio.


Poema "Testamento de Otoño" de Pablo Neruda.
Escrito e Publicado em 1958, no livro "Estravagario".
Fielmente traduzido por Raul Cézar.