No caso, a fotografia falha
em revelar a geografia
do teu rosto,
pois tudo parece posto,
mas teus olhos dançam
sem melodia.
No caso, os dias marcam
os compassos e as notas
saem limpas,
pois dias são pesados,
mas tua voz é leve e leva
meu meio dia.
No caso, o não revelado
e coberto pelo cabelo,
que na foto não sai,
fica como o tempo
que não passa,
o sorriso que não
perde a graça.
No caso, não há lei,
há um direito subjetivo,
solto como os teus cabelos,
de ouvir-te vez ou outra
falar sobre o que
não entendo
e ouvir-te só
e ler-te só
é ouvir e ler o que ecoa
nas curvas da Eternidade.
Raul Albuquerque
27/12/2013
Bem-Vindo ao Estação 018!
sexta-feira, 27 de dezembro de 2013
domingo, 1 de dezembro de 2013
mea maxima culpa
Há quantos meses não te escrevo, moça...
É o meu tentar falho e feio
de retribuir-te o abandono.
É o meu falhar feio
em tentar te trazer
para os meus dias,
mas eles são apertados
e tu nem cabes,
mas deverias caber.
Eu amo os dias em que tu cabes,
mesmo que só caiba a tua voz, menina.
E, quando tu não cabes
naquele quadrado infame do calendário,
tudo fica vazio,
mesmo que o quadrado esteja
cheio de suas vinte e quatro gotas
de falta de tempo.
Mas tu não constas
e a lua desce triste.
Se me abandonas,
eu me morro um pouco,
mas não é culpa tua,
menina,
nunca será culpa tua,
nunca.
A culpa é minha.
Pois sou eu que te escrevo estes versos,
depois de ouvir um poema triste.
E por que a culpa é minha,
eu te peço perdão por escrever-te
de novo.
Mas é que
minha poesia fica mais
____________
quando tu cabes nela.
Raul Albuquerque
01/12/2013
É o meu tentar falho e feio
de retribuir-te o abandono.
É o meu falhar feio
em tentar te trazer
para os meus dias,
mas eles são apertados
e tu nem cabes,
mas deverias caber.
Eu amo os dias em que tu cabes,
mesmo que só caiba a tua voz, menina.
E, quando tu não cabes
naquele quadrado infame do calendário,
tudo fica vazio,
mesmo que o quadrado esteja
cheio de suas vinte e quatro gotas
de falta de tempo.
Mas tu não constas
e a lua desce triste.
Se me abandonas,
eu me morro um pouco,
mas não é culpa tua,
menina,
nunca será culpa tua,
nunca.
A culpa é minha.
Pois sou eu que te escrevo estes versos,
depois de ouvir um poema triste.
E por que a culpa é minha,
eu te peço perdão por escrever-te
de novo.
Mas é que
minha poesia fica mais
____________
quando tu cabes nela.
Raul Albuquerque
01/12/2013
sábado, 30 de novembro de 2013
in verter
de:
raul
não sei quais foram os seus métodos
não sei se estava acordado quando você fez isto
ou se me fez dormir e me roubou costelas
ou se me iludiu com os olhos
enquanto me lia com as mãos
mas quando dei por mim
estava invertido
luar
quinta-feira, 28 de novembro de 2013
flúor na água
a Nathaly Monte
Àquela que sabe
(porque um homem de respeito disse)
que o que sai do homem
e não o que entra nele
é que o contamina
Àquela que estuda
que o que entra no homem
também o contamina
Àquela que
por mais que ame
um café
sabe que
às vezes
privar-se
também é sinal de amor
Àquela que cita na oração
as giárdias e faz do pedido
quase uma aula de biologia
àquele que não precisa de aula
Àquela que lembra e conta o passado
e faz com que eu esconda meu riso descontrolado
sob a mesa
Àquela que evita fotos
e esconde seu riso
sob a mesa
Àquela que gosta do anacronismo
Àquela que chega quando não tem aula
A ela
que não falte
A ela
flúor na água para
proteger o sorriso
(que não deve ser escondido ;)
Raul Albuquerque
28/11/2013
volte sempre

eu não sei por que uso
tantas palavras tão difíceis,
se te amar é tão fácil...
eu não sei por que uso
tantas palavras tão grandes,
se te amar é tão breve...
talvez seja para contrapor
eu peço para segurar sua mão
... queria saber dançar
dá-me um prazer irredutível
só reduzir teu nome
e fazer-te meu sol
porque rima
é inconsequente te querer
mas dou-me esse direito
ainda que não tenha
quando olho o relógio
quero que não seja tarde
sei que os grandes amores
são incendiários e são sem contrato
então
me perca
me esqueça num canto
me diga
me compre num riso
me leve
me deixe só
mas volte
volte sempre
talvez esse meu
volte sempre
seja igual ao
volte sempre
daquelas cidades
do interior
que não têm mais de uma rua
uma igrejinha
uma venda
pessoas na calçada
aquelas cidades
que nada parecem oferecer
que a gente nunca pensa em morar nelas
mas elas deixam lá
por descuido ou esperança
uma placa de
volte sempre
vai que alguém queira voltar?
vai que alguém queira ficar?
que incrível seria se você
viesse
e ficasse...
Raul Albuquerque
28/11/2013
sexta-feira, 15 de novembro de 2013
_ carta
__
Sempre ouvi que não se deve começar falas ou cartas pedindo desculpas por algo, mas não vejo outro modo de iniciar isto aqui.
Então, perdão por já começar assim, pedindo perdão.
É que eu tenho errado tanto e tantas vezes e... tenho sido indigno. Quem fecha-se em muros não merece brisa, mas eu, que em muros me mortifiquei, recebo sempre do teu sopro diário. Quem faz teto contra a chuva não merece sol, mas eu, que me cobri de concreto, recebo de tua luz por frestas que a própria luz abre. Quem não abre janelas não merece ver a rua, mas eu, que não rasguei as paredes, sei dos problemas dos que atravessam a rua com o celular no ouvido, os papéis na mão, o vazio no estômago, o oco no coração, o vácuo no pulmão e o atraso no pensamento. Quem não coloca portas não merece receber visitas, mas eu, que mantenho meu cárcere intacto, tenho tua presença nos fins de tarde, não tomamos chá ou café, mas algo do som quente dos teus pulmões aquece meus invernos que vigoram nas minhas caixas - torácica e craniana.
Tenho também que agradecer pelas tuas surpresas, as que eu nem sei contar e que ainda preciso te perguntar sobre o como e o porquê.
Os caminhos não me cantam futuros. São todos incerteza. E eu aguardo tua visita amanhã ou hoje ainda, precisamos conversar. Tenho medo de que você canse e me abandone no meu cubículo - que é fechado e pequeno, mas bem localizado.
Eu me morro numa vida de felicidade inverossímil. Gosto de me despir dos adornos na sua frente - sem medalhas, sem armadura - e de dizer que estou tentando aprender, mas pareço não saber ler os teus recados na caixa de mensagens. Sei dos teus quereres em mim, mas não os conheço, e te amo, o que me destrói e me enche dum impreenchido desejo de ser.
Ser não o que sou - que é pouco. Ser não o que vi no delírio. Ser não o mais alto ou o mais central. Ser o que teus sussurros regem e o que teus olhos acompanham. Não tenho medo de tua mão, quando a sinto, ela já foi e deixou apenas a ferida ligada, como que costurada nas tuas linhas.
Preciso dormir. Espero sua visita. Deixarei café e chá prontos pra te esperar. Preciso saber quais são os meus planos.
Apareça, assim que der.
____________________ R. Albuquerque
Sempre ouvi que não se deve começar falas ou cartas pedindo desculpas por algo, mas não vejo outro modo de iniciar isto aqui.
Então, perdão por já começar assim, pedindo perdão.
É que eu tenho errado tanto e tantas vezes e... tenho sido indigno. Quem fecha-se em muros não merece brisa, mas eu, que em muros me mortifiquei, recebo sempre do teu sopro diário. Quem faz teto contra a chuva não merece sol, mas eu, que me cobri de concreto, recebo de tua luz por frestas que a própria luz abre. Quem não abre janelas não merece ver a rua, mas eu, que não rasguei as paredes, sei dos problemas dos que atravessam a rua com o celular no ouvido, os papéis na mão, o vazio no estômago, o oco no coração, o vácuo no pulmão e o atraso no pensamento. Quem não coloca portas não merece receber visitas, mas eu, que mantenho meu cárcere intacto, tenho tua presença nos fins de tarde, não tomamos chá ou café, mas algo do som quente dos teus pulmões aquece meus invernos que vigoram nas minhas caixas - torácica e craniana.
Tenho também que agradecer pelas tuas surpresas, as que eu nem sei contar e que ainda preciso te perguntar sobre o como e o porquê.
Os caminhos não me cantam futuros. São todos incerteza. E eu aguardo tua visita amanhã ou hoje ainda, precisamos conversar. Tenho medo de que você canse e me abandone no meu cubículo - que é fechado e pequeno, mas bem localizado.
Eu me morro numa vida de felicidade inverossímil. Gosto de me despir dos adornos na sua frente - sem medalhas, sem armadura - e de dizer que estou tentando aprender, mas pareço não saber ler os teus recados na caixa de mensagens. Sei dos teus quereres em mim, mas não os conheço, e te amo, o que me destrói e me enche dum impreenchido desejo de ser.
Ser não o que sou - que é pouco. Ser não o que vi no delírio. Ser não o mais alto ou o mais central. Ser o que teus sussurros regem e o que teus olhos acompanham. Não tenho medo de tua mão, quando a sinto, ela já foi e deixou apenas a ferida ligada, como que costurada nas tuas linhas.
Preciso dormir. Espero sua visita. Deixarei café e chá prontos pra te esperar. Preciso saber quais são os meus planos.
Apareça, assim que der.
____________________ R. Albuquerque
quinta-feira, 7 de novembro de 2013
Sabê-lo
O saber é pessimista:
anota todas as dores
destaca os malfeitores
e põe tudo numa lista
O saber é pessimista:
analisa tudo o que dói
sente tudo o que corrói
e põe tudo numa lista
o saber é pessimista:
corta em partes o bem
coloca-nos como reféns
e põe todos numa lista
A todos é dado morrer:
como prêmio ou punição
como tese de conclusão
e é pessimista o saber
Raul Albuquerque
07/11/2013
anota todas as dores
destaca os malfeitores
e põe tudo numa lista
O saber é pessimista:
analisa tudo o que dói
sente tudo o que corrói
e põe tudo numa lista
o saber é pessimista:
corta em partes o bem
coloca-nos como reféns
e põe todos numa lista
A todos é dado morrer:
como prêmio ou punição
como tese de conclusão
e é pessimista o saber
Raul Albuquerque
07/11/2013
quinta-feira, 31 de outubro de 2013
ilegível

senhora
o que escreveram em ti
me é ilegível:
caracteres antigos
verdadeiros arcaísmos
não entendo o que te disseram
(e o que vislumbro
é tão absurdo
que prefiro negar)
nos teus olhos inconstantes
(ainda que belos)
vejo cidadelas
fortificações antigas
e minhas falas
vêm de cidades suplantadas
muros cobertos de relva nova
meus velhos muros
hoje são puro verdor
e ver dor purifica
teu cansaço
parece gozo
e teus raros
carinhos
bem caros
são dores
indolores
a anestesia
é pura
sensação
de alegria
arredia
o teu nome eu nem lembro
mas se tua prisão é florida
e já vês o fim da tua vida
vai, que já passou setembro.
Raul Albuquerque
31/10/2013
terça-feira, 29 de outubro de 2013
imensurável

- você me ama?
- sim sim sim
- quanto você me ama?
- quinhentos e noventa e mil
esse amor que
de tão imenso
chega a ser
imensurável
os bons tempos
em que o amor
- assim como outros delírios -
não precisava fazer sentido
a dormência
em que as declarações
não precisavam de rima
nem de matemática
o próprio amor
cobria as incongruências,
como se depois de falar
quinhentos
a gente percebesse
que era pouco
e acrescentasse
noventa
mas ainda seria pouco
e a gente coloca mais
mil
mesmo que atrasado
e fora de ordem
o próprio amor
cobria as incongruências
esse amor que
de tão imenso
chega a ser
imensurável
e assim resta
a sensação
de que ainda o mil
não poderia
quantificar
o quanto aquele janeiro
era largo
o quanto aquela presença
era preciosa
esse amor que
de tão imenso
chega a ser
imensurável
e eu digo que
quinhentos e noventa e mil
foi a melhor resposta
que já dei na vida
Raul Albuquerque
29/10/2013
sexta-feira, 11 de outubro de 2013
cortejo
rodas de cravos
rosas de várias cores
e outras flores
cujos nomes não sei
mas são belas
e olhar para elas
traz uma paz
sem nome
bancos de madeira
a família inteira
num silêncio culpado
tenso e encorpado
mas não doloroso
não há crime doloso
em não lamentar
se cai uma lágrima
é logo enxugada
por inútil ser
o caso é sem volta
e não há escolta
que possa proteger
um sorriso
o pesar é regra
e a alma pesa
dois quilômetros
de saudade sem par
de amor impreciso
a detonar
o seu regrado
improviso
o teto alto
não imita o céu
no ato
mas guarda
no silêncio intocado
um cântico
a ser executado
depois
de dois em dois
de par em par
é natural
ir lá olhar o fim
e assim
ter certeza
que a natureza
não gostou de mim
algumas frases ensaiadas
sobre fases necessárias
e dores que vem
para o bem
mas que passam
e ficam como contos
de encontros
inesquecíveis
tentam beatificar
como se fosse imaculado
puro e sem pecado
mas sabem dos
erros repetidos
das falhas loucas
das opiniões sem sentido
lembram do dia
da bebedice
e do disse-me-disse
que corria sobre
aquele dinheiro
mas silenciam
como se a morte
filtro fosse onde
o que é bom ficou
e o podre foi-se
uma leve movimentação
anuncia que o cortejo
vai começar
como se o último desejo
fosse passear
pelas ruas distraídas
enquanto se trai
a própria vida
ao morrer
o cortejo parece
ainda um adeus
mais prolongado
a despedida que
fica maior por não
querer despedir-se
desalentos
e passos lentos
tomam a rua
algumas nuvens curiosas
seguem o corpo
e tapam o sol
silenciosamente os de luto
agradecem
pois faz calor e o lenço preto
mais enxuga suor
que lágrimas
a rua corriqueira
e barulhenta
seca seu som
em respeito ao corpo mudo
que passa
ninguém manda ou organiza
as almas sentem o vazio
cães gatos homens pássaros
nem um pio
ao aproximar-se do fim
a cova rasa a terra
de boca aberta a
certeza incerta
de um fim depois
do fim um re-fim
e vários reféns
sem viúvas
sem órfãos
deixou inutilidades
deixou pesares
pequenas dívidas
eternas dúvidas
e legou um
silêncio reinante
sigo meu próprio
cortejo o fechar do caixão
não me sufoca o cair do corpo
não me doi a terra sobre a tampa
não me cobre lágrimas
não me comovem
não choveu
Raul Albuquerque
10-11/10/2013
rosas de várias cores
e outras flores
cujos nomes não sei
mas são belas
e olhar para elas
traz uma paz
sem nome
bancos de madeira
a família inteira
num silêncio culpado
tenso e encorpado
mas não doloroso
não há crime doloso
em não lamentar
se cai uma lágrima
é logo enxugada
por inútil ser
o caso é sem volta
e não há escolta
que possa proteger
um sorriso
o pesar é regra
e a alma pesa
dois quilômetros
de saudade sem par
de amor impreciso
a detonar
o seu regrado
improviso
o teto alto
não imita o céu
no ato
mas guarda
no silêncio intocado
um cântico
a ser executado
depois
de dois em dois
de par em par
é natural
ir lá olhar o fim
e assim
ter certeza
que a natureza
não gostou de mim
algumas frases ensaiadas
sobre fases necessárias
e dores que vem
para o bem
mas que passam
e ficam como contos
de encontros
inesquecíveis
tentam beatificar
como se fosse imaculado
puro e sem pecado
mas sabem dos
erros repetidos
das falhas loucas
das opiniões sem sentido
lembram do dia
da bebedice
e do disse-me-disse
que corria sobre
aquele dinheiro
mas silenciam
como se a morte
filtro fosse onde
o que é bom ficou
e o podre foi-se
uma leve movimentação
anuncia que o cortejo
vai começar
como se o último desejo
fosse passear
pelas ruas distraídas
enquanto se trai
a própria vida
ao morrer
o cortejo parece
ainda um adeus
mais prolongado
a despedida que
fica maior por não
querer despedir-se
desalentos
e passos lentos
tomam a rua
algumas nuvens curiosas
seguem o corpo
e tapam o sol
silenciosamente os de luto
agradecem
pois faz calor e o lenço preto
mais enxuga suor
que lágrimas
a rua corriqueira
e barulhenta
seca seu som
em respeito ao corpo mudo
que passa
ninguém manda ou organiza
as almas sentem o vazio
cães gatos homens pássaros
nem um pio
ao aproximar-se do fim
a cova rasa a terra
de boca aberta a
certeza incerta
de um fim depois
do fim um re-fim
e vários reféns
sem viúvas
sem órfãos
deixou inutilidades
deixou pesares
pequenas dívidas
eternas dúvidas
e legou um
silêncio reinante
sigo meu próprio
cortejo o fechar do caixão
não me sufoca o cair do corpo
não me doi a terra sobre a tampa
não me cobre lágrimas
não me comovem
não choveu
Raul Albuquerque
10-11/10/2013
segunda-feira, 7 de outubro de 2013
doce
a cascata
forma o caminho doce
que a minha fala
percorre
e consome
levantar os olhos
e ver dois morros
e depois dos morros
haver o sol luzindo
no céu
da tua boca
que sorri
gozando da minha cara
a minha fala
fala minha língua
e você resmunga
desejos incertos
e abertos festejos
(e eu
que não sei sambar
te fiz sambar
na minha língua)
R. Albuquerque
07/10/2013
forma o caminho doce
que a minha fala
percorre
e consome
levantar os olhos
e ver dois morros
e depois dos morros
haver o sol luzindo
no céu
da tua boca
que sorri
gozando da minha cara
a minha fala
fala minha língua
e você resmunga
desejos incertos
e abertos festejos
(e eu
que não sei sambar
te fiz sambar
na minha língua)
R. Albuquerque
07/10/2013
quarta-feira, 2 de outubro de 2013
obra-prima
no norte de Paris
os dedos do menino seguram o livro
os olhos do menino fitam o livro
o rosto do menino faz sombra sobre o livro
no sul do Pará
o rosto da menina faz sombra sobre o livro
os olhos da menina fitam o livro
os dedos da menina seguram o livro
não é o mesmo livro
mas o livro pouco importa
ambos ignoram o livro
querem escrever suas histórias
talvez não sejam publicadas
e suas mortes resumam-se
a uma nota linear e gélida de óbito no jornal do bairro
mas querem escrever sua história
e, já que irão escrevê-la,
que seja uma obra-prima (que só precisa ser lida por um leitor pra ser linda)
Raul Albuquerque
02/10/2013
os dedos do menino seguram o livro
os olhos do menino fitam o livro
o rosto do menino faz sombra sobre o livro
no sul do Pará
o rosto da menina faz sombra sobre o livro
os olhos da menina fitam o livro
os dedos da menina seguram o livro
não é o mesmo livro
mas o livro pouco importa
ambos ignoram o livro
querem escrever suas histórias
talvez não sejam publicadas
e suas mortes resumam-se
a uma nota linear e gélida de óbito no jornal do bairro
mas querem escrever sua história
e, já que irão escrevê-la,
que seja uma obra-prima (que só precisa ser lida por um leitor pra ser linda)
Raul Albuquerque
02/10/2013
quinta-feira, 26 de setembro de 2013
Secou o rio
Secou o rio
no verão da existência.
O calor morto
escurece os cimos.
Das alturas,
a chuva repensa sua tarefa
e não cai.
E não chove.
Enfim,
secou o rio.
Dos verdes milagres,
resta o gris.
Enfim,
secou o rio.
Em se transpor,
perdeu-se
o rio.
O que restou
não passa de efêmero
vapor.
Do caudaloso rio,
restou um fio,
um fio d'água,
tímido,
mas esperançoso.
Um fio da linha do tempo,
há tempos, interminável,
hoje linha frágil,
vida pequena.
Mas se a chuva
voltar a ser chuva,
o rio voltará
e
o que foi linha do tempo
será abundância.
Raul Albuquerque
25/09/2013
no verão da existência.
O calor morto
escurece os cimos.
Das alturas,
a chuva repensa sua tarefa
e não cai.
E não chove.
Enfim,
secou o rio.
Dos verdes milagres,
resta o gris.
Enfim,
secou o rio.
Em se transpor,
perdeu-se
o rio.
O que restou
não passa de efêmero
vapor.
Do caudaloso rio,
restou um fio,
um fio d'água,
tímido,
mas esperançoso.
Um fio da linha do tempo,
há tempos, interminável,
hoje linha frágil,
vida pequena.
Mas se a chuva
voltar a ser chuva,
o rio voltará
e
o que foi linha do tempo
será abundância.
Raul Albuquerque
25/09/2013
sexta-feira, 20 de setembro de 2013
sacerdócio
foi achado ontem
o corpo do sacerdote
jogado no centro
do templo
suicídio certamente
a mão ensaguentada
segurando a faca
que traspassa a garganta
não deixa dúvidas
depois de anos
de sacerdócio silencioso
e solitário,
o homem sucumbiu
quatro paredes
de isolamento acústico
e mórbido concreto
coroadas com uma porta
que ninguém abre
o senhor barbudo
e cuja voz ninguém nunca havia ouvido
dedicara toda sua vida
- e toda sua morte -
àquele templo e a seu deus
o senhor cuja voz ninguém nunca havia ouvido
era uma lenda
construíra o templo
e entrara lá há muitos anos
ninguém sabia se vivo estava
nada via ou ouvia
que viesse do templo
sempre fechado
o hermético templo
era lenda
monumento
sinal dos tempos
relíquia
dúvida
mas numa tarde qualquer
em que o vento monologava
ouviu-se um grito
ouviu-se um grito
e a porta do templo
entreabriu-se
todo o povo saiu e ficou à porta do edifício
todos tinham medo
todos tinham dúvidas
até que alguém empurrou a porta
e todos viram
o velho sacerdote
caído no no centro
do templo
suicídio certamente
o templo
tão idealizado
tinha poucos detalhes por dentro
mais parecia um galpão
lá o velho sacerdote
passara seus anos
dedicando vida
tempo e voz
ao seu deus
com o grito antes da morte
ele quebrara o sacerdócio
retiraram o corpo
e decretaram o lugar como amaldiçoado
selaram a porta
e assim
o silêncio
rei e deus
voltava a ser
soberano
naquelas quatro paredes
que guardavam o chão ensanguentado
e a lembrança de um grito
Raul Albuquerque
20/09/2013
quarta-feira, 18 de setembro de 2013
compaixão
é pra todomundo sentir
a dor de todomundo
mas a dor de todomundo é muita dor pra
todomundo sentir
em vez de dividir
a gente soma e todomundo leva a dor de
todomundo
todomundo no metro quadrado mais caro da cidade
o metro quadrado da ignorância
e todomundo leva
a dor de todomundo sem saber bem
quanto de dor
é a dor de todomundo
Raul Albuquerque
18/09/2013
a dor de todomundo
mas a dor de todomundo é muita dor pra
todomundo sentir
em vez de dividir
a gente soma e todomundo leva a dor de
todomundo
todomundo no metro quadrado mais caro da cidade
o metro quadrado da ignorância
e todomundo leva
a dor de todomundo sem saber bem
quanto de dor
é a dor de todomundo
Raul Albuquerque
18/09/2013
terça-feira, 17 de setembro de 2013
Só pra agradecer
Você, que já vai indo,
avisa lá que eu só tenho a agradecer.
Avisa que, depois da dor insuportável,
eu comecei a entender
algumas pontuações
e entendi que eu não entendo
dessas coisas de viver.
Você, que já vai indo,
diz lá que eu agradeço
por não ter chance de escolher
- sei que escolheria errado.
Agradeço também
pelas luzes apagadas
que nem me deram a chance de escolher o caminho
errado.
Você, que já vai indo,
não se esqueça de dizer
que eu agradeço
pelas algemas
- o crime de existir
me enquadra entre o mais vil
dos homicidas.
Você, que já vai indo,
leve meus agradecimentos
e meu laudo médico
comprovando que os meus pulsos
estão comprometidos,
meu pulmão tem lá seus problemas
- depois do sufocamento -
e meu coração... ele não consta no laudo,
devo tê-lo perdido em algum lugar,
ou foi tirado enquanto eu dormia
- provavelmente foi substituído
por um equipamento análogo,
não reclamo.
Você, que já vai indo,
agradece lá,
porque eu estou intacto,
nada me acometeu,
nem ventos passaram aqui,
por causa da janela fechada
que nunca consegui abrir.
Você, que já vai indo,
agradece lá.
Raul Albuquerque
17/09/2013
segunda-feira, 16 de setembro de 2013
eco
quando eu grito
"cadê você?"
dentro de mim
só recebo o eco
"cadê você?"
ondestá você?
ondestá você?
sescondeu onde?
sescondeu onde?
os versos, cadê?
os versos, cadê?
tá tudo tão vazio...
tá tudo tão vazio...
você, ondestá?
você, ondestá?
aonde vai?
aonde vou?
nem sei, sabe?
Raul Albuquerque
16/09/2013
"cadê você?"
dentro de mim
só recebo o eco
"cadê você?"
ondestá você?
ondestá você?
sescondeu onde?
sescondeu onde?
os versos, cadê?
os versos, cadê?
tá tudo tão vazio...
tá tudo tão vazio...
você, ondestá?
você, ondestá?
aonde vai?
aonde vou?
nem sei, sabe?
Raul Albuquerque
16/09/2013
sexta-feira, 13 de setembro de 2013
sobre semear (2)
ver nascer o que não se plantou
é uma vertigem
quando faz sombra
ou alivia o calor
é diferente
afinal o céu dá presente
e nem tudo é labor
eu
que plantei vento
nunca recebi furacão
ventania
ou brisa negligente
quando pensei em entrar
senti cair umas
três gotas
era uma chuva de fim de tarde
que não pedi
não plantei
mas veio
não sei como veio
nem vi nuvens se formarem
só senti três gotas
e estava chovendo
num arroubo
olhar para cima e abrir a boca
era vital
bebi da chuva
que não pedi
nem plantei
a noite veio e a chuva acabou
recolhi-me fazia frio
daquela chuva
restaram-me
um mal estar crônico
uma gripe (que às vezes vai mas sempre volta
e que inclui uma tosse de murmúrios e lamentos
e acesso de espirros - impurezas no pulmão)
e uma lembrança boa de uma chuva de fim de tarde
mas o que eu plantei não vingou
de quem me vingarei?
Raul Albuquerque
13/09/2013
quinta-feira, 12 de setembro de 2013
Amortecimento
caiu mas não doeu
amor teceu uma rede
e amorteceu a queda
tomara que
amor teça redes
e amorteça quedas
até a morte ser
Raul Albuquerque
12/09/2013
quinta-feira, 5 de setembro de 2013
incompletas
sou louco pra passear em tu
a rua
adoro entrar em tu
a casa
fico louco quando estou em tu
a sala
amo dançar em tu
a cozinha
[sem medo de queimar
quero mais é estar em tu
a cama
[sendo te
u
único colchão e travesseiro
[sendo ai
nda o primeiro
a ter tu
a vida por inteiro.
Raul Albuquerque
a rua
adoro entrar em tu
a casa
fico louco quando estou em tu
a sala
amo dançar em tu
a cozinha
[sem medo de queimar
quero mais é estar em tu
a cama
[sendo te
u
único colchão e travesseiro
[sendo ai
nda o primeiro
a ter tu
a vida por inteiro.
Raul Albuquerque
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