Esperando o fim dessa
Relação espacial cruel.
Yin-yang - tão longe, mas tão próxima.
Karma? Castigo?
Acho que só uma fase, um período de encantamento.
Tão longe... Por quê?
As conversas são tão poéticas.
Yin-yang - tão longe, mas tão próxima.
Numa dessas conversas metafóricas,
Nós concluímos que
A felicidade não chega, a gente vai buscar.
Concluímos?
A gente não consegue concluir nada.
Você já fez suas confissões e eu também já fiz
As minhas.
Lançamos algumas ideias que pareciam fazer sentido.
Contamos histórias, dores, aflições, piadas.
As noites foram belas, quando marcada pelo cheiro de
Nossas dúvidas, irritações e risadas.
Tão longe, mas tão próxima.
Indo, vai a vida. A distância por vezes não existe, por vezes grita. Feliz.
Raul Cézar de Albuquerque
30/12/2012
Bem-Vindo ao Estação 018!
domingo, 30 de dezembro de 2012
terça-feira, 25 de dezembro de 2012
Inexplicável

Há algo de inexplicável em tudo isto.
Um menino nasceu
há muito tempo
em um lugar muito distante
e, por causa disso,
as pessoas parecem mais felizes.
Há em tudo isso um mistério.
Os ares mudam,
porque as pessoas mudaram.
Por motivo incogitável,
elas passaram a querer
fazer o que nunca fizeram.
Para ser sincero,
nunca acreditei em Papai Noel.
Sempre fui idealista demais,
acreditei - e continuo acreditando -
em algo muito mais impossível
que um velho gordo e barbudo
que presenteia as pessoas ao fim do ano.
Acreditei nas pessoas.
Cri que elas
poderiam deixar de lado
- nem que só por uma noite -
seus problemas e desejos pessoais
e - só em lembrar o fato
antigo e distante -
começar a pensar em outras coisas
que geralmente não lhes diria respeito.
Vai parecer infantil,
mas eu ainda creio
que esse período possui algo
inexplicável - que nada tem a ver
com presentes ou festas -
que nos faz expressar o melhor de nós.
E o fato de pessoas também crerem nisso
comprova que esse encantamento
pode ser perpetuado em
vidas dispostas a vivê-lo diariamente.
Que o nascimento passe de causa
a efeito de tudo isso.
Que nasçam sonhos - antes impossíveis.
Que perdões rompam o asfalto e nasçam impetuosamente.
Que acorde a semente adormecida
e brote sem medo de amanhã.
Que surja a coragem de dizer
o que a vergonha impedia de ser dito.
Que não pare. Que nasça.
Que cresça. Que reproduza.
E que nunca morra.
Raul Cézar de Albuquerque
25/12/2012
Dedicado a Priscila Ribeiro
sábado, 22 de dezembro de 2012
Dependência

Tente não depender das pessoas.
Elas são máquinas falhas e inacabadas.
Quando possível proclame sua independência
e mantenha-se firme.
Mas há casos em que
depender de alguém é inevitável.
Nesses momentos, escolha bem.
Não deixe seus futuros sorrisos
em mãos incapazes de cuidá-los.
Não entregue a sua felicidade
assim tão facilmente, ela é frágil.
Não se engane com a força
e o barulho
das batidas do coração.
Decidir amar é assinar
um seguro de vida
- arriscado -,
é supor que alguém
sempre estará lá
quando você precisar
- o que nem sempre acontecerá.
Escolhe bem de quem dependerás.
Deve ser alguém que esteja disposto
a acordar no meio do sono
- para sonhar menos e viver mais -.
a abrir mão de uns sorrisos
próprios e compartilhá-los
em horas absurdas,
a matar uns vícios,
a bater na sua porta
e pedir um copo de felicidade,
a olhar para você e ver
o que encantou na época
dos devaneios patológicos da paixão.
Que, em tempos futuros,
o presente seja vivido
e o passado seja apenas uma
boa recordação risível
nos diários que escreveste
em segredo - e com vergonha -
nos céus que ficaram para trás.
Raul Cézar de Albuquerque
22/12/2012
-- Dedicado a Ana Claudia. (Feliz Aniversário!)
terça-feira, 18 de dezembro de 2012
Sem volta
Todos darão conta do que
fizeram com seu tempo.
Alguns podem argumentar:
"foi o que deu para fazer".
Importante é saber que
a vida é linear e nada volta.
Ainda que você corra em círculos
e dê muitas voltas, nada volta.
Segundo passado:
segundo perdido.
Na esfera do tempo,
tudo que não é presente é castigo.
É a culpa que contempla o passado.
É o medo que vislumbra o futuro.
Mas o tempo não para,
não perdoa.
Sabe-se de um dia em
que - em momento de exceção -
Sol e Lua foram detidos,
ainda assim, não houve volta,
houve pausa. Pois nada volta.
Dessa crueldade convencionada
entre os relógios surgem aquelas vontades
irrealizáveis.
Pedir perdão,
mas passou o tempo.
Aproveitar a infância,
mas passou o tempo.
Rir inocentemente,
mas passou o tempo.
Dormir sobre a grama,
mas passou o tempo,
e chegou o inverno,
e estás em deserto...
e tudo é frio e fome e
saudades do que não volta.
Olha-se para o horizonte
atrás de respostas
e o vento corre sem tempo
para parar como se quisesse dizer:
"não tens tempo para parar,
segue teu caminho, peregrino,
pois ainda não chegou teu fim!"
Raul Cézar de Albuquerque
18/12/2012
- dedicado a Andrew Pacífico
quinta-feira, 6 de dezembro de 2012
"Funeral Blues" (de W. H. Auden)
![]() |
W. H. Auden |
Wystan Hugh Auden é um dos maiores nomes da poesia inglesa no século XX. Começou a escrever poemas ainda na escola, desde então destacou-se com um estilo que se põe entre o sério e o brincalhão. Iniciou-se na escrita com poemas ferozes de forte carga anárquica e com precoce comprometimento político. Mas, aos poucos, adentrou numa poesia moral de visão cristã. Nasceu na Inglaterra, mudou-se para os Estados Unidos e morreu na Áustria. O poema que se segue é de sua fase intermediária e possui um tom poético de perda que assusta e enleia o leitor.
Parem todos os relógios, desliguem o telefone,
Não deixem o cão ladrar aos
ossos suculentos,
Silenciem os pianos e
abafem o tambor
Tragam o caixão, deixem
passar a dor.
Que os aviões voem sobre
nós lamentando,
Escrevinhando no céu a
mensagem: Ele Está Morto,
Ponham laços de crepe nos
pescoços das pombas da região,
Que os polícias de trânsito
usem luvas pretas de algodão.
Ele era o meu Norte, o meu
Sul, o meu Leste e Oeste,
A minha semana de trabalho,
o meu descanso de domingo,
A minha tarde, a minha
meia-noite, a minha conversa, a minha canção;
Pensei que o amor ia durar
para sempre: “eu estava errado”.
Agora as estrelas não são
necessárias: apaguem-nas todas;
Empacotem a lua e desmontem
o sol;
Despejem o oceano e varram
a floresta;
Pois agora nada mais de bom
nos resta.
*Tradução aproximada de autor desconhecido. (poema original e outras traduções)
terça-feira, 4 de dezembro de 2012
Respingos de Genialidade #32

"As guerras imaginárias, ao entardecer, tornaram-se por fim tão enfadonhas quanto a rotina da escola pela manhã, porque eu desejava participar de aventuras reais. Mas aventuras reais, pensei, não acontecem para os que ficam em casa; devem ser procuradas."
James Joyce, no conto "Um encontro", no livro "Dublinenses"
sábado, 1 de dezembro de 2012
Da Virtualidade nas Relações Humanas (parte I)

Convém saber que antropologia
tradicional considera-nos o último estágio de evolução das relações sociais. Na
época ágrafa, o ser humano viveu o estágio da selvageria. Na transição para o
advento da escrita, que coincide com a estruturação das primeiras sociedades
hidráulicas, os homens viveram a fase da barbárie. Com estabelecimento dos
primeiros Estados e com as primeiras legislações, estabelece-se também o que se
convencionou chamar de “civilização”.
Essa tal evolução proposta na ideia antropológica
pressupõe um melhoramento gradual nas relações humanas. O problema da teoria é
que essa gradação basicamente não ocorreu.
As relações sociais humanas encontram os mesmos problemas
e os mesmos artifícios sórdidos de predação. Somos animais. No sentido
biológico, o conceito de comunidade é o de um conjunto de várias populações de
espécies diferentes que traçam relações entre si, estas podendo ser de
cooperação ou de competição.
Nossas
comunidades não se diferenciam em nada desse conceito. São aglomerados
selvagens de populações diferentes, quer no âmbito sócio-econômico, quer no
âmbito moral-religioso. Desenha-se uma cadeia alimentar cheia de nuances e
variáveis, em que não mais valem as forças ou perícias predatórias, mas o poder
do capital disposto nas suas mais diversificadas faces.
Com o
tempo, a atividade subjugadora sofisticou-se e aumentou seu espectro de
atuação. Com o passar dos séculos, “evoluímos” das selvas literais para as
selvas de pedra, mundos de concreto e asfalto que esboçam suas dualidades.
Hoje, no entanto, a selva asfáltica colapsou-se em seu inchamento
descontrolado, então, fugimos para um novo ambiente, ainda selvagem, mas, desta
vez, um cenário etéreo e intocável que baseia sua crueldade na sua inexistência
na realidade.
Para
percebemos a não evolução de nossas relações sociais, antes sua maquiavélica
maquiagem, vale utilizar-se de um olhar crítico sobre as ditas – malditas e
benditas – redes sociais:
Ao modo
dos lobos que, quando sozinhos, utilizam-se do véu da noite para atacar suas
presas, os homens – animais sociais por natureza – fazem uso do anonimato
oferecido por algumas redes sociais para expor suas animosidades animalescas,
seus ódios resguardados. Sem o filtro da pessoalidade, da identificação e do
status social, ofensas são distribuídas a torto e a direito, geralmente sem
base lógica, com o instintivo desejo de obliterar uma vida social saudável, o
que configura uma ligação com o “impulso de morte” – “Tanathos”, segundo Freud
– dos predadores do mundo animal.
É tempo
de revisão das mesmas certezas de sempre. As mesmas máximas ainda são válidas. Portanto, “ao vencedor, as
batatas”.
sexta-feira, 30 de novembro de 2012
Soneto de Eternidade
Uma singela e dissonante homenagem ao "poetinha"
Eu prometo ser a tua testemunha
durante toda a minha existência,
sempre absorto em tua excelência.
Ainda que de louco eu tenha a alcunha.
Meu sonho reside no inconcreto:
no longo abraço e no beijo não dado,
no toque e no olhar perpetuados.
É o que me falta para ser completo.
Eu tenho a paciência por qualidade,
esperaria uma vida p'ra ser feliz
e alcançar a plenitude ao teu lado.
Se há um motivo para tudo que fiz,
foi p'ra ser e sentir-me teu amado,
assim: pelas vias da eternidade
Raul Cézar de Albuquerque
30/11/2012
quarta-feira, 28 de novembro de 2012
Respingos de Genialidade #31

"Surpreendia-me que nem eu nem o dia aparentássemos tristeza, e fiquei realmente aborrecido ao descobrir em mim uma sensação de alívio, como se a sua morte me houvesse libertado de alguma forma."
James Joyce, no conto "As irmãs", no livro "Dublinenses".
domingo, 25 de novembro de 2012
Pedaço despedido

No início,
não imaginamos o fim
- nunca.
Geralmente somos tomados
por um senso infantil de infinitude
e o que nos faz feliz
não terá fim e seremos felizes
para sempre. "Enganoso é o coração
[...] quem o conhecerá?"
Parece cruel - e é -
mas a maioria das coisas
tem prazo de validade
(incluindo algumas felicidades).
O engraçado e irônico da existência
é saber que as eternidades são
construídas a cada adiamento da tristeza:
"Por favor, hoje não."
Jogos ilógicos.
Somos meros peões num tabuleiro
em que só jogam os que levam
a eternidade dentro de si.
Sedentos por felicidade,
essa matéria palpável, fixa e controlável,
unimos nossas mãos.
Sedentos por felicidade,
essa matéria amorfa, volátil e inflamável,
soltamos nossas mãos.
Sem saber se a cena irá repetir-se.
Peço que me despeças em paz
e que não me deixes ser
apenas mais um pedaço despedaçado
de um passado feliz.
Raul Cézar de Albuquerque
25/11/2012
terça-feira, 20 de novembro de 2012
Os outros nomes de Fernando Pessoa

Fernando Pessoa é - nunca é demais relembrar - o maior nome do poesia modernista portuguesa. Destaca-se não só pelo seu lirismo absurdo e pelo jogo literário que construiu, mas por que ninguém absorveu como ele o espírito modernista: O que não tem caráter, mas que precisa ser caracterizado.
Pessoa incorporou a dúvida do início do século: "O academicismo morreu, mas... e agora?" e decidiu reunir em si próprio tudo do passado que poderia levar ao futuro da poesia. Para isso, deixou sua personalidade de lado e deu lugar a personagens - ou personas como fez a ironia da História ao colocar como sobrenome do poeta - "Pessoa" - o nome dado às máscaras do teatro grego.
O poeta tinha uma relação muito mística com a palavra - assim como os grandes Guimarães Rosa e Clarice Lispector. Isso, juntamente com toda a sua genialidade, resultou na construção de mais 70 identidades falsas entre heterônimos, semi-heterônimos e esboços de heterônimos. Tornou-se um criador de escritores.
Seu processo de construção de poetas, porém, destaca-se pelo refinamento, pois cada heterônimo possuía nome, biografia, profissão, ideologia, estilo próprio, "escola" literária marcante e mapa astral específicos.
Nesse infinidade de escritores criados pelo próprio Pessoa, destacam-se três heterônimos pela complexidade e pela perfeição da construção identitária, são eles:
![]() |
Alberto, Ricardo e Álvaro imaginados pelo pintor Almada Negreiros |
1. Alberto Caeiro:
Segundo Pessoa, o mestre de
todos os outros heterônimos. Caracteriza-se como um poeta árcade que
fugiu para o campo. Ele prega a simplicidade das coisas, despreza as
"questões universais" e pouco se dedica à filosofia e à metafísica.
Sua principal obra é "O Guardador de Rebanhos".
Sou um guardador de
rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
(poema IX em "O
Guardador de Rebanhos")
2 . Ricardo Reis:
Como Caeiro, ama o campo e a
vida bucólica, mas tem o pessimismo causado pela inevitabilidade da morte e
pela passagem cruel do tempo. Poeta neoclássico, busca no epicurismo a
raiz da felicidade, ele desconfia da felicidade plena e controla tudo com a
razão. Escritor de suas "Odes".
Só esta liberdade nos
concedem
Os deuses: submetermo-nos
Ao seu domínio por vontade
nossa.
Mais vale assim fazermos
Porque só na ilusão da
liberdade
A liberdade existe.
(ode de Ricardo Reis)
3 . Álvaro de Campos:
É o mais ligado ao movimento modernista, com forte tendência ao futurismo. Abusa do verso livre (ainda metrifique e rime às vezes), das pontuações exclamativas e das onomatopeias. Engenheiro naval, apresenta uma poesia por vezes desleixada ou rápida demais - característica futurista - e, outras vezes, uma poesia reflexiva.
Temos todos duas vidas:
A verdadeira, que é a que sonhamos na infância,
E que continuamos sonhando, adultos, num substrato de névoa;
A falsa, que é a que vivemos em convivência com outros,
Que é a prática, a útil,
Aquela em que acabam por nos meter num caixão.
("Datilografia" de Álvaro de Campos)
Há ainda o ortônimo Fernando Pessoa (ele mesmo) que escreve "Mensagem", poesia carregada de nacionalismo e saudosismo. Na obra, ele acaba por misturar o épico e o lírico ao (re)contar as histórias de Portugal. Ainda na sua obra lírica, destaca-se "Cancioneiro" onde o poeta explora temas existenciais como amor, solidão, futuro e infância.
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
("Mar Português" (do livro "Mensagem") de Fernando Pessoa)
Na prosa, há o semi-heterônimo Bernardo Soares (que em muito se assemelha ao próprio Pessoa) que escreveu "Livro do Desassossego", livro com forte carga emocional e cheio de um pessimismo encravado pela modernidade no homem comum. O livro destaca-se pelos aforismos e pela profundidade reflexiva.
"Amar é cansar-se de estar só: é uma covardia portanto, e uma traição a nós próprios. (Importa soberanamente que não amemos)" - Bernardo Soares em "Livro do Desassossego"
sexta-feira, 16 de novembro de 2012
Hoje é o "Dia do Desassossego"
Há 90 anos, nascia
José Saramago.
Ele é
"somente" o único autor de língua portuguesa que recebeu o Nobel de
Literatura (de 1998). Também foi o vencedor do Prêmio Camões (de 1995).
Nascido numa família
pobre de camponeses sem terra, no dia 16 de novembro de 1922, José de
Souza Saramago acumulou pragmatismos pessimistas ao longo da vida. Viu a
instalação do salazarismo em Portugal e perdeu vários empregos pela sua crítica
visão política.
Seu primeiro sucesso
literário veio com a publicação de "Memorial do Convento" (1982), um
romance histórico de cunho satírico que brinca com as crenças e os devaneios
humanos.
O romance "O ano
da morte de Ricardo Reis" (1984) vem completar uma lacuna deixada por
Fernando Pessoa: como morreu o heterônimo Ricardo Reis? A obra genial
descreve todo um ano de desventuras que culminam na morte do protagonista.
Em "Jangada de
Pedra" (1986) Saramago usa um impensável cenário: a Península
Ibérica separando-se no continente europeu. Crítica não tão velada à ideologia
da União Europeia de julgar a Europa como um quadro homogêneo.
Em 1991, José lança
"O Evangelho segundo Jesus Cristo". Um dos romances mais polêmicos do
século XX, nele o próprio Cristo (re)conta sua história, com direito a cena de
relação sexual entre José e Maria para gerar Jesus. Não é difícil imaginar as
reações que vieram principalmente da Igreja Católica, mas - por incrível que
pareça - as lideranças protestantes não "entraram no barco" e acabaram
respeitando a liberdade de expressão do escritor.
Em 1995, publicou seu
romance mais celebrado, o "Ensaio sobre a cegueira". Nele, Saramago
usa de experimentos estéticos para contar uma história vívida e alegórica sobre
uma realidade palpável. Saramago disse sobre o livro:
"Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. Nele se descreve uma longa tortura. É um livro brutal e violento e é simultaneamente uma das experiências mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante aflição. Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso."
Seguiram-se romances
como "As intermitências da morte", "As pequenas memórias" e
tantos outros. Seu último romance publicado em vida foi "Caim" -
outro romance que atiça as massas católicas pondo Deus como mentor intelectual
do crime realizado pelo protagonista.
Após a morte de
Saramago, em junho de 2010, é publicado o romance "Claraboia" - que
conta a história dos moradores de um prédio em Lisboa.
Hoje, 16 de novembro,
é o "Dia do Desassossego" em Portugal. Homenagem do país ao grande
escritor. (título bem contestável...)
Então... FELIZ DIA
DO DESASSOSSEGO!
quinta-feira, 15 de novembro de 2012
"O Haver" (de Vinícius de Moraes)

(Não posso negar minha
relação bem pessoal com a poesia de Vinícius, conheci a poesia através do
"poetinha") Vinícius de Moraes, poeta e compositor, é um dos
grandes nomes da poesia modernista. Sua originalidade reside na retomada do
amor clássico. Conhecido extensivamente pelos sonetos, Vinícius também possui
uma veia filosófica, que também caracteriza-se como clímax de sua produção
poética.
Resta, acima de tudo, essa
capacidade de ternura
Essa intimidade perfeita com o silêncio
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo
- Perdoai-os! porque eles não têm culpa de ter nascido...
Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo
Essa mão que tateia antes de ter, esse medo
De ferir tocando, essa forte mão de homem
Cheia de mansidão para com tudo quanto existe.
Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.
Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
Da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade
Do tempo, essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius.
Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do cotidiano; ou essa súbita alegria
Ao ouvir passos na noite que se perdem sem história.
Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera em face da injustiça e o mal-entendido
Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa
Piedade de si mesmo e de sua força inútil.
Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos, essa capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem para comprometer-se sem necessidade.
Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
E ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa
Contemporaneidade com o amanhã dos que não tiveram ontem nem hoje.
Resta essa faculdade incoercível de sonhar
De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la tal como é, e essa visão
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante
E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.
Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória
Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão do seu reino.
Resta esse diálogo cotidiano com a morte, essa curiosidade
Pelo momento a vir, quando, apressada
Ela virá me entreabrir a porta como uma velha amante
Mas recuará em véus ao ver-me junto à bem-amada...
Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto
Esse eterno levantar-se depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha
Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo
Infantil de ter pequenas coragens.
Essa intimidade perfeita com o silêncio
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo
- Perdoai-os! porque eles não têm culpa de ter nascido...
Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo
Essa mão que tateia antes de ter, esse medo
De ferir tocando, essa forte mão de homem
Cheia de mansidão para com tudo quanto existe.
Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.
Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
Da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade
Do tempo, essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius.
Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do cotidiano; ou essa súbita alegria
Ao ouvir passos na noite que se perdem sem história.
Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera em face da injustiça e o mal-entendido
Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa
Piedade de si mesmo e de sua força inútil.
Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos, essa capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem para comprometer-se sem necessidade.
Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
E ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa
Contemporaneidade com o amanhã dos que não tiveram ontem nem hoje.
Resta essa faculdade incoercível de sonhar
De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la tal como é, e essa visão
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante
E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.
Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória
Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão do seu reino.
Resta esse diálogo cotidiano com a morte, essa curiosidade
Pelo momento a vir, quando, apressada
Ela virá me entreabrir a porta como uma velha amante
Mas recuará em véus ao ver-me junto à bem-amada...
Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto
Esse eterno levantar-se depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha
Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo
Infantil de ter pequenas coragens.
15/04/1962
"O Haver" do Livro "Jardim Noturno - Poemas Inéditos" de Vinícius de Moraes.
domingo, 11 de novembro de 2012
Da Inutilidade da Poesia

Se
perguntam a mim “Por que escrever
poesia?”, vêm à tona milhares de
respostas subjetivas. Subjetivas,
pois não há um porquê lógico para produzir arte. A arte em si não tem fim
prático. Arte é uma daquelas coisas que se faz por vontade (ou, à la
Schopenhauer, Vontade de Poder), algo perto do instinto. Poesia é inútil, sempre foi.
Até aqui, não há novidades.
A questão atual é que, numa lógica absurda e mal construída, o que é inútil é imediatamente desimportante. Ou seja, hoje se algo não tem um fim prático não é importante. Vivemos no tempo da razão utilitária - onde até a racionalidade foi posta à margem do processo produtivo -, fato que explica esse desprezo não tão recente à arte.
A constatação, porém, é que as pessoas fazem uso da poesia não por ela ser útil - pois ela não é - mas por ela ser importante - o que não depende de sua utilidade. Poesia tem uma finalidade intrínseca e pessoal, o que foge ao atual conceito de "útil".
Poesia tem duas faces.
Uma é apresentada ao poeta, essa é a face do desafio. É a que apresenta as palavras como meios para chegar a um fim - que é a própria Poesia. É a que permite libertação em moldes bem marcados - e por vezes burlados pelo escritor.
Outra é a apresentada ao leitor, essa é a face do descobrimento. É a que disponibiliza um campo minado, onde qualquer verso alheio pode desencadear sentimentos pessoais e intransferíveis. É o que dá ao Outro o atestado de insanidade assinado pelo paciente - que piora a cada verso.
Longe da tentativa acadêmica e falida de dar "funções" à poesia, a própria história empenha-se em provar que a poesia apresenta-se no processo cultural como algo importante, mas nunca útil.
A poesia política de Neruda, Nobel de Literatura de 71, por exemplo, foi importante no cenário latinoamericano durante a Guerra Fria, mas não foi útil. Despertou o desejo de liberdade do povo, mas não convocou multidões às ruas.
Poesia é, portanto, inútil, mas importante. Algo impossível para as mentes adestradas e castradas. Não há fim determinado e comprovável que comporte a poesia. Poesia é vital, mas não é útil.
Poesia...
... não é rentável.
... não vai salvar-nos do aquecimento global nem da crise financeira.
... não vai trazer-nos a solução dos problemas da sociedade contemporânea.
... não vai evitar guerras nem amenizar seus efeitos.
... não vai encontrar a cura do câncer nem da AIDS.
... não vai acabar com a fome nos países miseráveis.
E talvez até venha a fazer tudo isso, mas, se o fizer, será feito um poeta por vez, um poema por vez, um leitor por vez, uma inquietação por vez.
Inútil totalmente inútil, mas igualmente indispensável.
segunda-feira, 5 de novembro de 2012
A Poesia (de Pablo Neruda)
![]() |
Pablo Neruda em Isla Negra, Chile |
E foi a essa idade... Chegou a poesia
a procurar-me. Não sei, não sei de onde
saiu, de inverno ou rio.
Não sei como nem quando,
não, não eram vozes, não eram
palavras, nem silêncio,
mas de uma rua me chamava,
dos ramos da noite,
de repente entre outros,
entre fogos violentos
ou regressando só,
ali estava sem rosto
e me tocava.
Eu não sabia o que dizer, minha boca
não sabia
nomear,
meus olhos eram cegos,
e algo golpeava minha alma,
febre ou asas perdidas,
e me fui fazendo só,
decifrando
aquela queimadura,
e escrevi a primeira linha vaga,
vaga, sem corpo, pura
tolice,
pura sabedoria
do que não sabe nada,
e vi logo
o céu
descascado
e aberto,
planetas,
plantações palpitantes,
a sombra perfurada,
cravada
por flechas, fogo e flores,
a noite esmagadora, o universo.
E eu, mínimo ser,
ébrio do grande vazio
constelado,
a semelhança, a imagem
do mistério,
me senti parte pura
do abismo,
rodei com as estrelas,
meu coração se desatou no vento
Poema "La Poesía" de Pablo Neruda.
Publicado em "Memorial de Isla Negra" em 1964.
Fielmente traduzido por Raul Cézar de Albuquerque.
sábado, 20 de outubro de 2012
20 de Outubro - Dia do Poeta
Hoje, é o dia - ainda que gratuitamente - em que comemoramos a vida - e a morte dos Poetas (e faço questão de colocar o substantivo como próprio, como Baudelaire fazia).
Então, vou tentar homenagear os poetas mais importantes na minha vida de leitor - e de poeta também.
Segue a lista:

Vinícius de Moraes
Quem me fez começar a gostar de poesia.

Fernando Pessoa
Quem me fez crer que eu poderia escrever poesia.

Pablo Neruda
Quem me disse por que escrever poesia: "É necessário"
Manuel Bandeira
Quem me mostrou a por a complexidade em formas simples

Charles Baudelaire
Quem me disse que a poesia pode - e deve - ser transgressora

Carlos Drummond de Andrade
Quem gritou: "Nem só de suicidas viverá a poesia."
Há um poema de Sérgio Lopes que descreve bem essa saga pessoal que é ser poeta:
Poetas são, por natureza, inconformados
Com a despoesia das vidas acinzentadas;
Com o sacrifício dos amores anulados
Pelo egoísmo das pessoas mal amadas
Poetas são, por natureza, solitários
A multidão que o acompanha são seus versos
No tempo em que viver são como missionários
De um lado a outro, seus escritos são dispersos
Mas quando finalmente morrem os poetas
Surgem os críticos, editores com suas metas
De publicar cada soneto rabiscado;
E só assim o mundo aceita a poesia:
Sendo o poeta vivente, ninguém ouvia.
Quando se cala seu poema é idolatrado.
Agora, segue uma homenagem a boa parte dos grandes poetas que me fazem respirar fundo e crer que ainda há muito a escrever, e perceber, e descobrir.
Respingos de Genialidade #30

"Há felicidade no mundo, Alec, e o sofrimento não é o seu oposto, mas a saída estreita através da qual passamos encurvados, arrastando-nos entre urtigas, à procura da clareira na floresta silenciosa banhada pelo luar de prata."
Amós Oz, no livro "A caixa preta".
quarta-feira, 17 de outubro de 2012
A Função do Sonho

Para o caminhante,
o caminho é tudo,
porque tudo acontece no caminho.
Se a queda ocorre no caminho,
o caminho é queda.
Se o sono vem no caminho,
o caminho é sono.
Se há desespero no caminho,
o caminho é desespero.
Se o amor surge no caminho,
o caminho é amor
- nem que por um pequeno trecho.
E, então, vem o sonho.
O sonho não ocorre no caminho.
Antes, é a fuga.
É o que foge ao tudo.
Já não faz parte do que conhecíamos
e havíamos catalogado na
enciclopédia infinita.
O sonho é o que habita
onde não habitamos.
Acaba contando-nos
de terras sem fim
nem começo.
O fim ainda é caminho.
O sonho não.
E, quando se concretiza,
o sonho perde o poder de
mediar tais mundos.
Parece desencantar-se
ou aposentar-se dessa função.
O sonho, pois, é tudo o que
foge ao que dizemos ser tudo,
um respiro aliviado longe da obrigação vital de respirar ar impuro.
Raul Cézar de Albuquerque
17/10/2012
*Dedicado a Ketilly Rayane
segunda-feira, 15 de outubro de 2012
A multivocalidade da Literatura Brasileira
O vídeo acima foi apresentado na Feira do Livro de Frankfurt para sugerir a multiplicidade de vozes que compõem a produção literária brasileira. Citando Mário de Andrade, Carlos Drummond e Guimarães Rosa, o vídeo coloca a diversidade que nos une. Pondo Manuel Bandeira e Olavo Bilac lado a lado, há a proposta de que, aqui, o opostos podem dividir a mesma página de um livro.
Uma bela homenagem à nossa história.
Sobre os professores

Falar em professores sempre é
motivo para que beiremos a pieguice e entremos numa espécie de saudosismo. E
acho que não vou conseguir fugir disso.
Hoje, “professor” tem um
significado mais humano, culminando às vezes em ser sinônimo de “amigo”. De
início, somos – alunos e professores – inimigos mortais, pois não pode haver
uma relação amistosa entre o avaliado e o avaliador, então, o educador e o
educando, o erudito e a página em branco. Os grandes professores são aqueles
que apagam essa imagem infantil e dicotômica da nossa cabeça.
Por vezes, o ambiente escolar é
hostil e rigoroso. O professor tem o dever humano de amenizar a automaticidade
das coisas, humanizar o processo. Talvez seja a voz que ecoa na primeira aula
do dia que faça o adolescente voltar ao mundo real e esquecer as angústias
ainda abertas do dia anterior.
E, imersos num mundo denso de
alunos, avaliações e reclamações, são eles que nos conectam com um mundo
totalmente exato, ortográfico, histórico, geográfico ou até artístico.
Ainda que o quadro esteja em
branco, a presença de um professor que faça por merecer o título que tem faz
com que o dia tenha lições inscritas de modo inesquecível. O modo próprio de
ensinar a tabela de senos, de explicar o que é um isômero ou uma vegetação
hidrófila, de passar as regras de acentuação gráfica, de caracterizar o cenário
do pós-guerra, de expor os princípios da Semana de 22 ou até de exemplificar
uma lei da física marcam a vida de um aluno.
Embora muitas vezes não pareça,
nós – alunos – somos necessitados de uma risada – ou uma correção - matinal,
uma regrinha a mais, um assunto novo e até uma informação que nunca usaremos na
vida, porque tudo isso faz parte dessa ópera – ou dessa loteria – que é a vida.
sábado, 13 de outubro de 2012
13 de Outubro - Dia mundial do Escritor
"Para ser sincero, ser escritor é explicitar o desejo quase pecaminoso de ser Deus nem que por uma ou duas páginas." (C.P.)
E são tantos os que me fizeram fugir um pouco da realidade causticante - que é a vida. O escritor é - acima de tudo - um corajoso, que ousa expor-se através de seus personagens, sim, porque não há personagem que não seja uma face do escritor.
Escritores entendem que não há heróis nem vilões, ao menos, não separadamente - está tudo em nós. Sempre há um pouco de Capuleto num Montecchio.
Loucos. Entre o ser e o não ser, eis o escritor. O escritor é o pervertido que fica nu no palco, mas não tira a máscara.
Mais que um contador de histórias, o escritor é aquele que se põe como atravessador entre o real e o surreal, entre o ridículo e o sóbrio, entre a mocinha chorona e a leitora sonhadora.
"Escrever é fácil. Você começa com uma letra maiúscula e termina com um ponto final. No meio você coloca as ideias." (Pablo Neruda, porque ele sabe o que fala)
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